Confira uma entrevista de bastidores com a bailarina e saiba mais sobre essa companhia que é uma das melhores do mundo
por Marcela Benvegnu | [email protected]
Mayara Magri, 24, sonha em ser uma primeira bailarina. Mas isso é só uma questão de tempo. Talento e dedicação ela já provou que tem. Solista do Royal Ballet de Londres (leia mais sobre a companhia ao final deste texto), essa carioca não sabia que quando começou a dançar, aos 8 anos, no projeto Dançar a Vida, da Petite Danse, no Rio de Janeiro, a arte a levaria para outro continente. Nessa entrevista, ela conta como começou a sua trajetória, fala sobre a importância de ter feito parte do corpo de baile do Royal, conta do seu dia-a-dia, do que sente saudade no Brasil, seus próximos objetivos, sonhos e ainda deixa um conselho para quem deseja seguir essa carreira.
Quando e como você decidiu que queria viver de dança? Eu era muito jovem quando comecei a dançar e gostava muito da disciplina do ballet clássico. Adorava os concursos de dança pelo Brasil e as viagens com os meus colegas da Petite Danse. Era uma rotina diferente para uma criança que só ia para a escola de segunda à sexta-feira. Tive que aprender a ser muito responsável e disciplinada para conseguir dar conta de tudo. Eu passava à tarde inteira fazendo aulas e ensaiando. Os meus deveres de casa eram feitos na escola mesmo, durante a hora do recreio. Naquela época, a minha mãe que me ajudava a costurar as sapatilhas de ponta e ela também fazia a marmita do almoço e o meu lanche da tarde.
E como era sua rotina na Petite Danse? Eu estudei oito anos na Petite Danse. Os meus dois primeiros anos foram mais tranquilos, costumava a terminar às 17h, mas os últimos seis foram superintensos. Meus ensaios e aulas começavam às 14h e terminavam às 20h, e pelo menos duas vezes por semana eu fazia uma aula extra das 20h às 21h30 para aprimorar ainda mais a minha técnica clássica. Nos meus dois últimos anos além das aulas práticas de ballet clássico, repertório, pas-de-deux e dança contemporânea, eu também tinha aulas teóricas de História da Dança, Anatomia, Música e Didática de Ensino, que fazia parte do Curso Profissionalizante de Dança da escola.
E a sua vida realmente mudou quando você começou a participar de festivais internacionais como o YAGP e o Prix de Lausanne… A minha viagem para Lausanne foi um dos momentos mais incríveis da minha vida. Desde a preparação aqui no Brasil para tamanha competição internacional, até os dias de pura aprendizagem que passei lá. A organização do evento, a estrutura do teatro e das salas de aula, a atenção da produção com os bailarinos foi algo surreal. Quando passei para a final não podia acreditar. Quando ganhei o prêmio do público e a medalha de ouro então, foi um choque! Eu estava realmente curtindo cada etapa do concurso, até acabei esquecendo que estava ali participando de uma competição.
E foi lá que você recebeu a bolsa para a Escola do Royal Ballet… Sim. Como eu recebi o prêmio máximo do concurso pude escolher a bolsa de estudos que queria. Escolhi a Escola do Royal Ballet porque eu adorava assistir aos DVDs da companhia quando era pequena, ficava encantada com os grandes clássicos como La Bayadère, O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida. O Royal Ballet é uma companhia de tradição e ainda é muito clássica, o que a diferencia da maioria das outras companhias. Eu também levei em consideração a cidade em que eu viria morar se fosse para estudar fora e como a Escola do Royal e a Companhia são estabelecidas em Londres, foi bem fácil de tomar essa decisão.
Confira a participação de Mayara no Prix de Lausanne, em 2011 abaixo:
E como foi essa mudança? Quando cheguei em Londres pela primeira vez, uma das guardians da Escola do Royal foi me buscar no aeroporto. Eu não conseguia falar uma palavra em inglês, estava super nervosa pois não conhecia absolutamente nada ao meu redor. Do aeroporto fomos para as acomodações da escola, que ficam em Covent Garden, onde a escola do ensino superior do Royal e a companhia são estabelecidas. Eu fui direto para o último ano da escola, o ano de graduação, mais pela minha idade mesmo porque eu tinha 17 anos. Me lembro que fiquei um pouco chateada, pois queria ter ido diretamente para a companhia, mas agora percebo que foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Eu tive um ano de adaptação com o método inglês de ballet, tive tempo suficiente para aprender a língua e me adaptar ao estilo de vida antes de começar a trabalhar profissionalmente. O meu primeiro dia na Escola da Royal foi muito interessante. Fiz um ‘tour’ pela escola acompanhada pelo coordenador, fui apresentada aos professores, diretores e aos meus colegas de turma. Lá meninos e meninas fazem aula separadamente, porém se reúnem para as aulas de pas-de-deux.
E você se lembra do que mais chamou a sua atenção? Eu fiquei muito impressionada com a estrutura da escola: sala de pilates, academia, fisioterapeutas, massagistas, sala comum para os bailarinos lancharem e descansarem, biblioteca, sala de computação, cinco estúdios de ballet e dentro de cada um deles um piano. A música era sempre tocada ao vivo em todas as aulas e ensaios, fazendo com que as aulas fossem bem mais produtivas. A variedade de música clássica para os ouvidos era tamanha, uma experiência incrível.
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E depois de um ano na escola, você entrou para a companhia. Como é a sua rotina? Começamos a aula às 10h30 da manhã, porém eu chego na Royal com pelo menos uma hora de antecedência para fazer um aquecimento. Faço um pouco de pilates ou uma ‘barra no chão’ – que são uns exercícios simples de ballet dados no chão com o intuito de aquecer a musculatura desconsiderando a força da gravidade. Nossa aula tem duração de 1h15 e depois temos 15 minutos de intervalo. Ao meio-dia começamos os ensaios que vão até às 17h30. Ao longo do dia ensaiamos pelo menos três diferentes obras. Se tivermos espetáculo no dia, temos duas horas de intervalo entre o fim dos ensaios e o começo do espetáculo para comer algo, fazer maquiagem, cabelo e se arrumar para a apresentação que normalmente começa às 19h30. Aqui temos pelo menos uns três espetáculos por semana, mas como o Royal é uma companhia de 95 bailarinos, não costuma ser o mesmo elenco toda noite.
Você ficou no corpo de baile por quatro anos e depois foi promovida solista. Foi uma experiência rica? Fui promovida para solista em 2016. Eu fiquei no corpo de baile quatro anos e foi incrível. Fiz várias obras especiais. O ‘Ato das Sombras’ em La Bayadére foi um dos meus favoritos, pelo desenvolvimento do trabalho de equipe. Aprendemos até a respirar juntas. É muito legal trabalhar com um grupo grande de bailarinas, o que de fato, faz o Royal Ballet ser o que é. A performance do corpo de baile em todos os espetáculos, sem dúvida nenhuma é a base fundamental da Companhia.
Abaixo Mayara Magri e Marcelino Sambé em Corybantic Games, de Christopher Wheeldon, no Bernstein Centenary em 2018 :
No Royal Ballet vocês trabalham com diferentes e importantes coreógrafos e você já dançou obras relevantes… A Royal é uma companhia bem tradicional e é bem difícil de entrar no elenco dos papéis de solista e principal. Eu encontrei o meu ‘caminho de subida’ através das criações das novas montagens, pois os coreógrafos tem o poder de escolher qualquer pessoa para fazer o papel, sem seguir a hierarquia da companhia. Assim os coreógrafos residentes como Christopher Wheeldon, Wayne McGgregor and Liam Scarlett, e também alguns de fora como David Dawson e Twyla Tharp me deram muitas oportunidades nas criações que assinaram e isso me expôs bastante. Eu gosto dessa correria. Aqui nunca estamos sem fazer nada, é sempre um ballet atrás do outro; neo-clássico com clássico, contemporâneo com clássico, os três juntos. É incrível a quantidade de movimentos diferentes que o seu corpo pode vir a fazer em apenas um dia. Eu tento não dar a impressão de que sou capaz de dançar somente um estilo de coisas, procuro trabalhar bastante nos movimentos que tenho dificuldade, para que eu não tenha ‘fraquezas’ na minha técnica, pois quanto mais variado é o seu repertório, mais oportunidades você vai ter.
E para a próxima temporada vem surpresa por aí… Eu farei o papel de Gamzatti, em La Bayadére. Um sonho que está para se realizar!
E você tem um ballet favorito? Acho que ainda não. Eu realmente sinto que estou vivendo um sonho… Só de poder estar na companhia do Royal Ballet já é um presente divino! Eu sou imensamente grata a todos que me ajudaram a chegar onde estou. A minha paixão é pela dança, e um bailarino se alimenta da inspiração que ele absorve ao seu redor. Eu, me inspiro diariamente onde trabalho. Não poderia ser mais sortuda.
Curiosidade. Quantos pares de sapatilha você usa por semana? Eu uso de seis a oito pares de sapatilha de ponta por semana. Eu costuro os elásticos e as fitas na máquina de costura, como a minha mãe me ensinou, para me poupar tempo. Mas é praticamente um par de sapatilha por dia. Ainda bem que recebemos da companhia a quantidade de sapatilhas que precisamos.
E o que você almeja como artista? O meu desejo é de trabalhar com o maior número de companhias pelo mundo possível como convidada. Quero trocar experiências, aprender coisas novas e assistir coisas diferentes. Com o título de primeira bailarina já seria um bom começo para atingir esse objetivo.
Como você vê a valorização da dança na Europa hoje? Na Europa, o artista de uma forma geral é muito valorizado; sejam bailarinos, cantores, pintores, músicos, atores. No centro da cidade de Londres, por exemplo, existe praticamente um teatro a cada esquina e eles estão sempre com ingressos esgotados. Acho que isso vem muito da cultura de um continente que já passou por muito sofrimento, duas guerras mundiais. Os ingleses, por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial tiveram que reconstruir suas famílias, suas casas e suas cidades, eles tiveram que se apegar as artes como um refúgio da tristeza em que viviam, por isso está na cultura deles saber apreciar os artistas que cultivam as artes.
E dá saudade do Brasil? Se não fosse pela internet, diria que tenho saudade da minha família, mas eu converso com eles quase todos os dias pelo WhatsApp, o que facilita muito viver longe. Acho que sinto bastante falta do tempero da comida minha mãe. Eu cozinho para mim mesma, mas nada se compara a comida da Dona Ana. Ahhh! E um pouco mais de sol e uma praia aqui ajudaria muito.
Se você pudesse dar um conselho para as bailarinas que desejam seguir uma carreira profissional como você, o que diria? Na minha opinião o(a) artista precisa de muita disciplina e persistência para esta carreira ‘curta’ que escolhemos. Acima de tudo, ele nunca deve se acomodar com o que conquistou, deve trabalhar duro nas suas facilidades, porém, trabalhar mais ainda nas suas fraquezas.
PARA SABER MAIS SOBRE O ROYAL BALLET:
– O Royal Ballet foi criado em 1931. Ninette de Valois, bailarina e coreógrafa montou uma pequena escola e convenceu Lilian Baylis a lhe seder um espaço no Sadler’s Wells Theatre, onde ficaram até 1939 já estabelecidos como uma companhia. Em 1946 foram transferidos para a ROH (Royal Opera House) e lá estrearam uma produção completa de A Bela Adormecida para reabrir o Covent Garden que estava fechado após a guerra. Só em 1956, para comemorar os 25 anos da companhia que o nome The Royal Ballet foi concedido à companhia pela Royal Charter.
– O Royal Ballet é dirigido por Kevin O’Hare desde 2012. O repertório segue uma linha de obras clássicas do século 19, com coreografias de seu fundador Frederick Ashton e de Kenneth MacMillan. Hoje os coreógrafos residentes e associados – Wayne McGregor, Christopher Wheeldon e Liam Scarlett também criam obras contemporâneas.
– Além de Mayara Magri, outros cinco brasileiros compõe o elenco de artistas do Royal Ballet: Isabella Gasparini e Erico Montes, de São Paulo; Letícia Stock, Leticia Dias e Thiago Soares, do Rio de Janeiro.
– Roberto Bolle, Lauren Cuthbertson, Alessandra Ferri, Sarah Lamb, Marianela Nuñez, Natalia Osipova, Thiago Soares, Edward Watson e Zenaida Yanowsky são algumas das estrelas da companhia.
– O Royal Ballet é também ligado a Royal Ballet School (a escola de formação) que vocês podem conferir um pouco mais no vídeo abaixo. Lá eles usam a metodologia da RAD (Royal Academy of Dance) que é uma das mais antigas já conhecidas com aulas de balé clássico, movimentos livres e caráter (que usam saias e sapatos específicos).
*As fotos deste texto compõem o acervo de imagens da Petite Danse e foram gentilmente cedidas ao blog por Guilherme Darzi (https://www.petitedanse.com.br). | Foto de capa: Mayara como Myrtha no segundo ato de Giselle, em foto de Karolina Kuras.
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