Até o mês de dezembro companhias internacionais e brasileiras se apresentam em São Paulo
Marcela Benvegnu | [email protected]
Começou este mês, com o mineiro Grupo Corpo, a 15ª Temporada de Dança do Teatro Alfa, em São Paulo. Para comemorar os 20 anos de existência a programação optou por convidar importantes grupos da cena brasileira e mundial. Até o mês de dezembro subirão ao palco os franceses da Cie. CDA – Philippe Decouflé, o sueco Mats Ek com a bailarina espanhola Ana Laguna, a alemã Tantztheater Wuppertal, criada por Pina Bausch, e os brasileiros São Paulo Companhia de Dança (SPCD) e a Companhia de Dança Deborah Colker – esta que acabou de receber um Benois de la Danse, um dos mais importantes prêmios da dança mundial por seu “Cão Sem Plumas”, apresentado no ano passado.
Para a abertura da programação, o Grupo Corpo – com direção de Paulo Pederneiras e coreografias de Rodrigo Pederneiras – trouxe peças já conhecidas do repertório: “21” e “Gira”. Dividido em três movimentos, “21” (1992), explora a escala decrescente do 21 até o 1 da partitura de Marco Antônio Guimarães. É um balé instigante, com reminiscências dos folguedos populares e das festas do interior do Brasil. A obra inaugura um tempo no qual o Grupo trabalha somente com peças especialmente compostas. E por falar em composição, Gilberto Gil prepara a nova trilha da trupe para estrear em 2019.
“Gira” (2017) é uma peça de virada na trajetória do Grupo. Eleito o melhor espetáculo do ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), com trilha assinada pela banda paulistana Metá Metá, a obra é inspirada nos rituais de umbanda – a mais cultuada das religiões nascidas no Brasil, resultado da fusão do candomblé com o catolicismo e o kardecismo. Exu, o mais humano dos orixás, é o motivo poético que conduz os onze temas musicais que marcam a coreografia. Pederneiras reconstrói o ritual de gestos e o transforma em uma plasticidade sem igual que dialoga com a cenografia de Paulo Pederneiras, que cobre com um tule negro os corpos dos bailarinos que estão fora da cena criando uma ilusão na caixa preta. Uma coreografia daquelas que precisamos ver novamente para entender e vivenciar cada detalhe. A programação dos próximos meses também vale o ingresso da Temporada. Confira e agende-se.
CIE. DCA – PHILIPPE DECOUFLÉ
Fundada em 1983 por Philippe Decouflé influenciado pelas histórias em quadrinhos, pelo cinema e o circo, Cie. DCA atraiu atenção imediata por conta da inovação e do humor. Coreógrafo, bailarino, clown e cineasta, Decouflé nasceu em 1961 em Paris, onde formou-se na Escola Nacional de Circo. Depois de estudar com o mímico Marcel Marceau, mudou-se em 1982 para Nova York, onde trabalhou com Merce Cunningham (1919-2009) e Alwin Nikolais (1910-1993) – o mago da composição cênica, precursor na integração da dança com efeitos visuais e sonoros. Dono de uma linguagem particular do circo, ele tirou a virtude do divertimento; das técnicas da mímica, uma boa dose de poesia e, de Nikolais, o profundo senso de utilização da cor, do movimento, das metamorfoses corporais e dos efeitos especiais.
Para a temporada (31 de agosto a 2 de setembro) ele apresenta “Nouvelles Pièces Courtes” espetáculo que estreou em 2017. “Muitos espetáculos de dança moderna que me marcaram são construídos na forma de peças curtas. De Georges Balanchine a Merce Cunningham, passando por Martha Graham e Alwin Nikolais, os coreógrafos americanos que me influenciaram, apresentaram quase sempre espetáculos compostos por peças curtas. Penso que este sistema convém à dança, onde a escritura é sempre mais poética do que narrativa e onde o formato deve ser adaptado ao tema. Acho que meu gosto pelo formato curto vem, mais ainda, do rock’n roll, com suas obras musicais breves e eficazes”. Dividido em seis atos, “Nouvelles Pièces Courtes” eleva ao máximo as decoufleries – como ficou conhecida a fusão singular entre dança, circo e imagem, desenvolvida por Philippe Decouflé.
SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA
Depois de um hiato de anos, a SPCD volta aos palcos do Teatro Alfa (15 e 16 de setembro) para a estreia de uma obra da francesa Joëlle Bouvier – que na década de 1980 fundou a companhia l’Esquisse em parceria com Régis Obadia e é considerada uma coreógrafa da “nova dança francesa”, movimento que surge entre as décadas de 1970 e 1980. Hoje como artista independente foi definida pela crítica francesa Agnès Izrine como “uma mulher que dança. Uma mulher atemporal, que atravessa épocas, modas e estilos… Seu gestual impulsivo, emocional, à flor da pele, afirma um lirismo exacerbado e contrabalançado por uma força motriz cheia de doçura”. No repertório da companhia, dirigida por Inês Bogéa e criada pelo Governo do Estado de São Paulo em 2008, também figuram “Melhor Único Dia” (2017), de Henrique Rodovalho e “14’20″”, do tcheco Jirí Kylián.
Em “Melhor Único Dia”, Rodovalho experimenta movimentos continuados a partir da relação dos bailarinos que permanecem todo o tempo em cena. “Ele usa grandes grupos de homens e mulheres para mostrar uma oposição de sexos, brinca com os ecos do corpo, com a luz e com o palco branco. Fala do tempo com humor”, fala Inês. E “14’20″”, de Kylián, originalmente concebida para o Nederlands Dans Theatre II, da Holanda, em 2002, remontada para a São Paulo Companhia de Dança em 2017, é uma obra prima do repertório. A coreografia é um extrato de “27″52”. O título refere-se à duração do espetáculo, protagonizado por um casal de bailarinos que expressa questões sobre a passagem do tempo, o amor, a vida e a morte. André Grippi e Ana Paula Camargo interpretes da obra receberam recentemente um prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pela interpretação.
CIA. DE DANÇA DEBORAH COLKER
Para a Temporada de 2018, de 21 a 23 e de 25 a 30 de setembro, Deborah Colker e seu elenco trazem uma releitura de “Nó” – espetáculo que marcou a estreia da companhia no Teatro Alfa, em 2005, e que inaugurou, na linguagem da coreógrafa, a busca de uma dramaturgia e de questões humanas universais. Na obra, que estreou no Tanzfestival Movimentos, em Wolfsburg, Deborah elegeu o desejo como tema – inspirado nas vitrines da red light holandesa – e agora talvez influenciado pelo viés narrativo surgido em espetáculos como “Tatyana”, de 2011, inspirado na literatura de Alexander Pushkin, ganha um tom mais narrativo. “Cordas que dão nós e que simbolizam os laços afetivos que nos amarram”, diz Deborah. “Cordas que servem para aprisionar, puxar, ligar, libertar”.
MATS EK E ANA LAGUNA
Um dos mais esperados espetáculos da temporada (20 e 21 de outubro) unem pela primeira vez, no Brasil, Mats Ek e Ana Laguna num double bill de “Memory” (2004) e “Axe” (2015), além da exibição de “Old and Door” (1991). Ek é conhecido por seus trabalhos para o Cullberg Ballet – companhia sueca junto à qual ele construiu boa parte de seu repertório e dirigiu de 1985 a 1993 – e no auge dos seus 72 anos ele sobe ao palco acompanhado da sua esposa, Ana Laguna, 62 anos, que pode ser vista no Brasil, no palco do Alfa, em 2010, ao lado de Mikhail Baryshnikov em “Três Solos e Um Dueto”.
“Memory” evoca as recordações de um homem, que transforma o passado em presente, moldando uma nova realidade a partir do que ficou perdido no tempo. O palco torna-se o espaço que ele divide com sua mulher. Em Axe, Ana Laguna divide o palco com Yvan Auzely. A partir de uma situação corriqueira – o corte de lenha – os dois personagens entram em confronto. Para ele, é uma questão prática. Para ela, um ato de violência. A noite se completa com a exibição do filme “Old and Door”, que revela Birgit Cullbert – mãe de Ek – pioneira da dança moderna na Suécia, dançando coreografia que ele criou especialmente para ela em 1991. São cenas que nunca foram exibidas no Brasil.
TANZTHEATER WUPPERTAL/PINA BAUSCH
Pina Bausch (1940-2009) reinventou a dança-teatro quando começou a trabalhar na cidade alemã de Wuppertal, na década de 1970. Depois de sua morte a companhia passou por diversos diretores, entretanto, se mantém firme na linguagem que sua grande mestra deixou. “Nefés” estreou em 2003, inédito no Brasil, será apresentado aqui de 29 de novembro a 2 de dezembro. O título, no idioma turco, significa “respiração”. Artista capaz de criar um “teatro do mundo”, profundamente enraizado no conhecimento intuitivo da natureza humana, Pina concebeu uma série de obras inspiradas em diferentes países. Em meio ao jogo de sombras e luzes sobre o Bósforo, as cores e os odores de Istambul, o cruzamento de crenças da cultura turca, nasceu Nefés – inspiração e expiração de ritmo misturado a humor, sensibilidade e poesia, em um conto bauschiano de mil e uma noites.
A companhia se apresenta desde 1998 no Teatro Alfa. Em 2000 trouxeram “Mazurca Fogo”, em 2001 foi a vez de “Água”, criação inspirada no Brasil. Em 2006, “Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã”, 2009, as apresentações das incríveis “Café Müller” e “Sagração da Primavera” se fundiram à comoção causada pela morte súbita da coreógrafa, dois meses antes. Eles voltaram ao país em 2011, com “Ten Chi”.
PARA VER – 15ª Temporada de Dança do. Teatro Alfa (rua Bento Branco de Andrade Filho, 722). Ingressos variam de R$ 37 a R$ 225. | Quinta, 21h, sexta, às 21h30; sábado, às 20h e domingo, às 18h. Informações: (11) 5693-4000 | www.teatroalfa.com.br.
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