Teatro Alfa é o palco do encontro deste casal ícone que se apresenta no Brasil este final de semana
Por Marcela Benvegnu | [email protected]
Um dos mais esperados espetáculos da temporada de dança do Teatro Alfa une pela primeira vez, no Brasil, Mats Ek e Ana Laguna num double bill de “Memory” (2004) e “Axe” (2015), além da exibição de “Old and Door” (1991). Ek é conhecido por seus trabalhos para o Cullberg Ballet – companhia sueca junto à qual ele construiu boa parte de seu repertório e dirigiu de 1978 a 1993 – e no auge dos seus 73 anos ele sobe ao palco acompanhado da sua esposa, Ana, 63. Com certeza o final de semana dos dias 20 e 21 de outubro marcarão uma importante data na história da nossa dança e se você ainda não comprou o seu ingresso, por favor, o faça. É uma noite para guardar na memória do corpo para sempre.
Ek é um coreógrafo que quebrou a linha da tradição clássica propondo novos modos de olhar para ela. Foi bailarino do Cullberg Ballet (companhia criada pela sua mãe, Birgit Cullberg), do Ballett der Deutschen Oper am Rhein, em Düsseldorf, e coreógrafo a bailarino associado do Nederlands Dans Theater. Dirigou o Cullberg por 15 anos e trouxe a dança uma nova perspectiva. Em 2006, ele recebeu o prêmio do Benois de la Danse, que consagra os maiores da área da dança no mundo. Ana – que pode ser vista no Brasil, no palco do Alfa, em 2010, ao lado de Mikhail Baryshnikov em “Três Solos e Um Dueto” – é uma bailarina espanhola radicada na Suécia. Dançou ao lado de grandes lendas (como em Miss Julie [1981] com Rudolf Nureyev). Foi bailarina do Royal Chamber Ballet, do Nederlands Dans Theater e ficou no Cullberg Ballet de 1973 a 1993. É uma das mais fortes e expressivas bailarinas do século.
Este texto une duas conversas: uma exclusiva, quando entrevistei o casal por telefone há três semanas direto da Suécia – eles moram em Estocolmo – e outra ontem (18 de outubro), no “Encontro com Ana Laguna e Mats Ek” organizado pelo Teatro Alfa no Estúdio Cisne Negro, que contou com mediação de Iracity Cardoso e uma plateia de importantes nomes da dança.
Vocês poderiam nos contar um pouco sobre o programa que escolheram trazer para o Brasil?
ANA: É um programa para um corpo mais maduro. “Memory” é assim, uma obra criada em 2004, ou seja, há oito anos. E nesse tempo o meu corpo mudou, não posso mais fazer algumas coisas. A idade traz limitações que são impostas ao corpo, ao mesmo tempo, te possibilita encontrar outros movimentos. Isso faz muita diferença na forma que dançamos. EK: “Memory” traz ao palco a tentativa de restaurar uma relação, algo que ficou perdido no passado e que você precisa “arrumar”. É como ir atrás do tempo. Criei para o teatro, depois virou um filme e adaptei para a caixa-preta.
ANA: Em “Axe” eu divido o palco com Yvan Auzely. Nessa coreografia estamos cortando lenha, é simples, mas temos um confronto…
EK: … ‘Axe’ é um dueto que tem significados diferentes para os intérpretes. Para ele é tudo muito corriqueiro e para ela, tudo muito violento. É mesmo um confronto. As duas obras deste programa estão lincadas, mas elas não têm uma conexão ou uma história. A Ana acaba costurando tudo. Em cena não fazemos aquilo que não podemos. Se o material coreográfico vai acabando vamos descobrindo o que podemos fazer de diferente.
Entre uma coreografia e outra teremos a exibição de “Old and Door”, que revela Birgit Cullberg (1908-1999) [mãe de Ek e pioneira da dança moderna na Suécia] dançando uma coreografia que você criou especialmente para ela em 1991.
EK: Sim. É um filme de 20 minutos. E não é sobre ela, mas sim sobre a independência de uma mulher que na época estava com 91 anos. São memórias, desejos, lágrimas e medos de uma mulher velha. Foi uma tentativa de recuperar o que ainda existia dentro dela. A Ana e o Yvan também participam desse filme.
O que é o palco para você?
ANA: Essa é uma pergunta difícil. Estar no palco é como viver outra vida, me entregar a um personagem e poder sentir diferentes emoções por um outro ângulo, é escapar de uma vida e encontrar outra. É ser outra pessoa. É ter a possibilidade de viver situações que você não viveria em uma vida normal e se conectar com a plateia.
Como é entrar no estúdio para criar?
EK: É uma mistura de excitação com desafio. Eu me preparo muito para coreografar. Entro na sala quando está tudo pronto e o que eu espero é que os bailarinos estejam abertos para o que eu estou fazendo.
Impossível pensar em Mats Ek, sem pensar em seus clássicos revisitados como Giselle (1982), O Lago dos Cisnes (1987) e Carmen (1992). De onde veio a ideia para recriar essas obras?
EK: Tudo começou quando eu dançava no Ballett der Deutschen Oper am Rhein, em Düsseldorf, na Alemanha. Eu via todos aqueles clássicos esgotados e as obras contemporâneas que não tinham tanto sucesso assim… Até que um dia vi o John Neumeier (diretor do Balé de Hamburgo) criando uma versão de “O Lago dos Cisnes” em que ele colocava um trecho da obra tradicional ao lado de pedaço da sua criação mais moderna. Depois de um tempo, falei: mas pode ser tudo moderno! Aí comecei a criar essas obras. Com certeza o meu ‘turning point’ de carreira foi “Giselle”. Todas essas histórias são baseadas em contos de fadas e na minha releitura eu posso explorar muito mais as nuances e contrastes que cada uma das obras tem.
Em 2016 você anunciou que estava se aposentando e assim aposentando suas obras. Você mudou de ideia?
EK: Me aposentei por três anos e agora voltei para o palco. Acho que descansei um pouco. (risos).
Mas também voltou a coreografar. Você assina novas obras para um triple bill da Opera de Paris com estreia marcada para junho de 2019.
EK: (risos). Farei Carmen, Boléro com a música de Maurice Ravel e um outro pas de deux. Ainda vai demorar.
Assim como fizeram grandes nomes da dança como William Forsythe, Hans Van Manen, George Balanchine, Jirí Kylián, você tem planos de criar uma fundação que cuide dos diretos das suas obras? Companhias como o Royal Swedish Opera, Norwegian Opera, Stuttgart Ballet, American Ballet Theatre, La Scala de Milão, Opera de Paris tem suas obras no repertório.
MATS EK: Não tenho não… Eu tenho um empresário, mas depois que eu morrer eu não quero uma fundação. As obras vão comigo… (risos).
PARA VER | Mats Ek e Ana Laguna. Dias 20 e 21 de outubro, no Teatro Alfa (Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722) Sábado, às 20h, domingo, às 18h. Ingressos variam de R$ 37,50 a R$ 200. Mais informações: https://www.ingressorapido.com.br/event/7031/d/29967 ou 0300 789 3377.
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