Convidamos a bailarina e coreografa Juliana Azoubel para falar sobre Outubro Rosa. Confira.
No mês que nos mobilizamos para falar da importância da conscientização das mulheres a respeito da prevenção e do diagnostico precoce do Câncer de Mama, trazemos o depoimento da bailarina, coreografa, professora de dança, Juliana Azoubel.
por Juliana Azoubel | [email protected]
“Nesse Outubro Rosa, gostaria de compartilhar com vocês uma experiência que já acontece há sete anos, um processo que venho chamando de “tratamento em movimento”, ou, “movimento em tratamento”.
Por acreditar impossível haver separação entre Dança e Vida, quando fui diagnosticada pela primeira vez com câncer de mama, em 2011, tracei o desafio de tentar conectar dois mundos que até então considerava muito distintos, mas que descobri, na prática, que poderiam ser totalmente complementares: A dança e o câncer de mama.
O câncer de mama está presente na minha vida desde muito cedo, pois cresci acompanhando o tratamento da minha mãe. Na memória, ainda estão presentes momentos da luta vivida por ela, dos dilemas relacionados à queda dos cabelos, às limitações do movimento, às modificações do corpo e às consequências físicas e psicológicas vividas por uma mulher e mãe que iniciou o tratamento aos 32 anos. Ela nunca foi bailarina, mas quando eu decidi seguir a dança como profissão, ela, além de temer a volta da sua doença, dizia preferir que eu seguisse uma “profissão convencional”, que não dependesse tanto do uso do corpo, pois assim eu evitaria sofrer tanto quanto ela. Minha mãe era uma mulher muito ativa e vaidosa, de vida muito dinâmica, e mesmo não sendo bailarina sofreu muito por ter seus movimentos limitados durante o tratamento do câncer.
Hoje, gostaria muito que a minha mãe ainda estivesse aqui no nosso mundo para presenciar as experiências compartilhadas aqui, pois acredito que elas provam que dançar não só é possível, mas essencial para quem recebe o diagnóstico de câncer de mama.
Quando fui diagnosticada com um tumor na mama esquerda aos 35 anos, sofri um baque emocional enorme, pois como Artista da Dança, havia decidido “envelhecer” dançando, e sempre acreditei que a dança nos mantêm jovem e saudável. Minha mãe havia falecido dois anos antes do meu diagnóstico. Considerada curada do câncer de mama que teve aos 32, ela não resistiu à agressividade de um tumor de pâncreas e faleceu antes mesmo de poder passar por qualquer tratamento. Por essa razão, e por tudo que a palavra câncer já significava em minha vida, pensar que precisaria “interromper a minha carreira” como bailarina e professora de dança e de Pilates por causa de um tratamento tão agressivo me causou muito medo e muita apreensão. Na época, eu era Professora de Dança e Coordenadora do Curso de Artes na Universidade Federal do Paraná, havia trabalhado por doze anos como “Artista em Residência”, e cursado o Bacharelado, a Licenciatura e o Mestrado em Dança na University of Florida nos EUA e continuava sustentando a “tese” de que a minha dança só teria sentido se eu conseguisse unir teoria e prática. Nunca enxerguei a possibilidade de “aposentar as sapatilhas”, nem de deixar os palcos por ter abraçado também a docência universitária.
Bom, com esse pensamento, vocês podem imaginar o quão difícil foi passar pela cirurgia, pelas 28 sessões de radioterapia e pelas injeções de hormônios que trouxeram muitas limitações e modificações para um corpo dançante e tão ávido por continuar em movimento.
Ao final de 2012, mesmo com o tratamento concluído, durante e depois de cada etapa, reabilitar era preciso. Devo à dedicação às práticas do Método Pilates, à Yoga e à minha vontade de continuar dançando o sucesso da minha recuperação, tanto motora quanto emocional. Meu envolvimento com técnicas de Educação Somática e de reabilitação corporal me faz afirmar hoje que a relação corpo-mente precisa ser “encorajada” para que possamos voltar aos palcos depois das agressões físicas e emocionais do tratamento.
Em 2014, outro momento de tensão. Depois de fazer concurso para assumir o cargo de professora do Curso de Dança da Universidade Federal de Minas Gerais, veio uma suspeita de recidiva. Fiz outra cirurgia, mas naquele momento, o câncer não foi confirmado. Como professora de Dança da UFMG, continuei ministrando as aulas práticas e teóricas, dançando e coreografando dentro e fora da UFMG. Naquele momento, meu envolvimento com o Grupo Aruanda e com a Escola do Grupo Corpo foram grandes incentivadores para a crença de que meu corpo podia voltar aos palcos e às oficinas de dança com ênfase no vigor física, tão característica e sempre presentes nas minhas práticas dançantes.
Foi nesse momento que propus aos estudantes da Disciplina Prática de Dança VII do Curso de Dança da UFMG o processo de criação do “Ruído Rosa” (nome definido durante as etapas do processo). O “Ruído Rosa”, processo de criação no qual utilizei os jogos coreográficos de Merce Cunningham como técnica de pesquisa de movimento, resultou numa performance, que além de invadir as ruas e praças de BH e da UFMG foi convidada a integrar e foi premiada na conferência da Interdisciplinary Society for Quantitative Research in Music and Medicine (ISQRMM), realizada entre os dias 24 e 26 de Julho de 2015, na Immacullata University no distrito de Malvern na Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Representar a Dança nessa conferência internacional significou ampliar os horizontes da minha prática como artista/docente e das vivências para além das possibilidades imaginadas por mim e por cada intérprete criador. Compartilhamos fora do Brasil um projeto de pesquisa, que se desdobrou em processo de criação colaborativa, sob uma temática não muito popular na área da dança: a saúde, mais especificamente a saúde da mulher, o câncer de mama. Também significou a manutenção do meu projeto de cura através da Dança, que atualmente eu tenho chamado de “tratamento em movimento.” O titulo desse “projeto de vida” faz referência à imersão nas práticas de dança para que se possa reviver a luta de um corpo que ao ser transformado por um tratamento de saúde, continua acreditando na troca, no aprendizado, e na práticas de dança como essencial para a sua performance e para a sua continuidade como como dançante.
O processo de criação do “Ruído Rosa” foi composto por 12 estudantes que, junto comigo passaram a partilhar, com o público em geral, nas ruas e praças de BH, na UFMG, e com participantes da conferência (profissionais de várias áreas do conhecimento), o tema inspirador do processo: os vários “ruídos” que se tornam parte do cotidiano de quem tem um câncer de mama.
Levamos aos espaços públicos de BH e à conferência da ISQRMM as diversas interpretações da cor rosa, com uma singela metamorfose promovida pelos movimentos do corpo e pelo ritmo da dança. O “Ruído Rosa” falava de crença e de superação e cruzava as fronteiras da dança e da medicina.
A performance tecia um olhar sobre os diversos “tons de rosa” e os diversos sentidos e significados, memórias e sensações que esses tons nos trazem. Em cada movimento, falávamos de um feminino que adoece, regenera, cria e se reinventa e que precisa descobrir dia após dia que é na experiência da troca, da generosidade e da suavidade que todos nós, seres humanos, encontramos a cura. Em contato com nossos “femininos” exploramos nossas entidades/identidades corporificada em gestos, passos e movimentos, nos permitimos novas chances de estarmos e sermos “Rosa”, de ser mulher, com ou sem os estigmas que a sociedade nos impõe.
Rosa do amor, rosa da flor, rosas diversos que através da perfeita harmonia entre teoria e prática se fizeram dança e que conseguimos levar para outro país, outra cultura, não só o nosso Ruído Brasileiro, que é rosa de homem e de mulher, mas um Ruído Universal, que se consolidou no nosso olhar sobre a pesquisa, a criação e a elaboração de processos de criação em Dança.
Hoje, em 2018, vivo novamente algumas nuances da cor rosa.
Em 2017, ganhei meu maior presente: consegui engravidar e trazer ao mundo a minha filha Larissa, que atualmente está com um ano e nove meses.
Antes, durante a gestação, e com a chegada de Larissa, reviver as várias formas de “Ruído Rosa” tão presentes na vida de uma mãe de menina do século XXI (sim porque no século XXI também podemos viver outras cores que não só a cor rosa para meninas, e o “Ruído Rosa” falava disso também), tem sido fascinante, extremamente reconfortante e muito significativo. Atualmente, encontro-me em tratamento de um segundo câncer de mama (dessa vez fui diagnosticada com um tumor na mama direita), mas a certeza de que o câncer de mama e a Dança podem ser grandes aliados, me faz viver cada etapa do tratamento com muito mais força e muito mais coragem, com muito mais confiança na multiplicidade de sentidos dos vários “Ruídos Rosas” que vivemos ao longo das nossas vidas.
Dessa vez, em resposta a um tratamento bem mais agressivo do que no primeiro câncer e por isso estou lidando com transformações corporais ainda maiores. Desde o ano passado, tive que parar de amamentar Larissa (ela tinha apenas três meses de idade), e em resposta à quimioterapia, tive que assumir transformações corporais e limitações de movimento muito mais significantes do que a primeira vez, a exemplo de um maior ganho de peso, maiores dores nas articulações e a total queda de cabelos. E foi por isso que dançar se tornou cada vez mais preciso!
Tudo que vivi desde 2011 me faz acreditar, cada dia mais, que poder dançar não só é possível, mas essencial para alguém em tratamento de um câncer de mama. E com muita alegria e esperança de poder continuar dançando, compartilho também com vocês o meu depoimento utilizado como som para um trecho do Espetáculo MAGNA, que estreou nesse Outubro Rosa, no Festival de Dança do Recife. E com muita convicção e muita esperança de continuar levando a minha Dança ao palco, agradeço a oportunidade de compartilhar minhas experiências nesse espaço e com isso, colocar mais uma vez, o câncer de mama em cena.
DEPOIMENTO DO ESPETÁCULO MAGNA
Meu nome é Juliana Azoubel. Sou bailarina, coreógrafa, professora de dança, filha, esposa e mãe.
Tenho 42 anos e fui diagnosticada, pela primeira vez aos 35 anos, em 2011.
Minha mãe, Inez, faleceu com câncer, um ano antes do meu diagnóstico, e por isso, a palavra câncer me trazia muito medo. Mas segui…Fiz tratamento e fui considerada curada.
Junto com a cura, veio o meu maior presente: a minha filha Larissa, que hoje está com um ano e oito meses.
No ano passado, fui diagnosticada com um outro câncer de mama. E no momento estou em tratamento.
Hoje, a palavra câncer pra mim, é força, é coragem, é querer viver.
É constatação de que pudemos ser ainda mais felizes do que pensamos ser.
É perseverança. É viver e dançar mais a cada dia.
É transformar momentos difíceis em alegria.
É viver, para poder dançar mais, e para poder ver minha filha crescer!
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