Cesar Dias e Giovanna Torres Perez contam um dia inteiro da sua jornada para acompanharmos um pouco dos bastidores de aulas e montagens coreográficas
Marcela Benvegnu | [email protected]
Cesar Dias, 30, é jornalista. Giovanna Torres Perez, 24, advogada. O que eles têm em comum? São bailarinos profissionais da Cisne Negro Cia. de Dança. Cesar entrou para a Companhia em 2012 e hoje além de bailarino encontrou uma paixão: a coreografia. Giovanna, além das atividades na companhia – ela integra o grupo desde 2017 – faz inglês e pós-graduação na sua área. Sim, a vida dos bailarinos profissionais muitas vezes vai além da rotina diária da sala de aula. Ambos contaram para a gente um pouco dos seus dias em detalhes. César dividiu conosco uma de suas sextas-feiras, que teve dois tempos diferentes, o da sala de aula como bailarino e depois o tempo como criador, às vésperas de uma esteia. Giovanna narra um começo de semana, uma segunda-feira, na qual além das atividades profissionais como bailarina teve uma reunião com um cliente e aula de inglês.
Antes de conhecer parte da rotina dessa dupla é importante conhecer um pouco da companhia que eles dançam! A Cisne Negro Cia. de Dança, sob direção artística de Hulda Bittencourt e Dany Bittencourt, completa em 2019, 42 anos de existência. Ao longo deste período o grupo já foi assistido por um público superior a 2,5 milhões de pessoas, em 17 países; 400 cidades num total de cerca de 4.000 apresentações. No repertório figuram obras de criadores importantes como: Ana Mondini, Barak Marshall, GIgi Caciuleanu, Itzik Galili, Luis Arrieta, Mario Nascimento, Ivonice Satie, Patrick Delcroix, Rui Moreira, Sonia Mota, Tindaro Silvano, Vasco Wellenkamp, Vitor Navarro e outros.
Cesar Dias
6h25: Não dormi nada bem de ontem para hoje, porém, é sexta-feira, último dia de trabalho desta semana, ou seja, o famoso “sextou” (risos).
6h30: Toca o soneca e eu levanto querendo ficar na cama (isso mesmo, você não leu errado) é a sonolência que me guia até a cafeteira nesse horário todos dias. Já perdi as contas de quantas vezes deixei o pó de café cair no chão por estar literalmente caindo de sono. Meu ritual matinal é sempre o mesmo: preparo do café, arrumo a mesa com o que irei comer e vou para o banho. Gosto quando volto para cozinha e o cheiro do café já tomou conta do ambiente, além de me trazer o despertar, igualmente o cheiro é delicioso – não vivo sem café.
6h50: Já estou sentando fazendo o meu dejejum, sempre como proteína animal de manhã (ovo) com pão, frios, frutas quando lembro de comprar acompanhado por uma boa e grande xícara de café. Depois do café já lavo a louça que sujo – odeio sujeira e acúmulo – mesmo que apressado me obrigo a deixar pelo menos a pia organizará para o meu retorno à noite.
Para você saber: Tenho que sair de casa até as 7h10, 7h15 para não chegar atrasado no Cisne. Nossa jornada de trabalho começa às 9h e vai até as 15h, de segunda-feira a sexta-feira, com ressalvas nos finais de semana quando estamos em cartaz ou em viagem). Atualmente e temporariamente estou morando na casa de um amigo em Santo André, cidade vizinha de São Caetano do Sul e meu trajeto diário para chegar na companhia é ônibus, trem, metrô e uma caminhada de 10 minutos. Acredite são quase duas horas para chegar ao trabalho, na Vila Madalena, em São Paulo. Às vezes consigo carona com meu amigo que me deixa na estação de trem em Santo André, que quando acontece me poupa tempo e dinheiro (uma vez que a passagem de ônibus em Santo André é mais cara que na capital). Transporte público é aquele desespero né, abarrotado de pessoas, vou amassado quase todo o trajeto, empurra daqui, ajeita o pé ali para não cair (se bem que muitas vezes nem para cair dá por não ter espaço) do ônibus para o trem para o metrô não tem muita diferença, pois todos são bem cheios. Fico feliz quando dou sorte e consigo ir sentado, pois ficar esse tempo todo de pé balançando e depois engatar em uma jornada de trabalho de mais 6 horas pulando, rodopiando, saltando e dançando não é nada fácil (e ainda tem aqueles que perguntam, mas você só dança? Snifff). E acho que hoje chegarei em cima da hora ou atrasado, justamente na semana em que nossa diretora (Dany Bittencourt) fez uma ressalva por ocorrer atrasos recorrentes de alguns bailarinos. Não é meu caso, dificilmente atraso e quando acontece é porque realmente um empecilho muito grande e algo alheio a mim, me impede de chegar. Contudo, sempre entro em contato direto com a direção para avisar se algo está me impedindo de chegar no horário. Hoje, peguei muito trânsito, ainda não avisei…. tenho fé que chegarei em cima, mas no horário. Uma das coisas que mais gosto da minha profissão é poder ir trabalhar com a roupa que eu quiser, que me deixe confortável, não preciso usar terno e gravata, falo isso pois como pego a linha 2 verde do metrô, vejo muitos homens com suas vestimentas formais, pensa quando está 28 graus? Não deve ser nada fácil. Hoje não, mas pelo menos duas ou três vezes na semana vou trabalhar (trajeto) de shorts, camiseta e sandálias (sim, amo) acho engraçado pois olham para mim com um certo desdém, exemplo, nossa essa hora da manhã aonde vai vestido assim, não deve fazer nada da vida (risos) me indago, será que já assistiram algum espetáculo que dancei? De qualquer modo não me incomoda, pois cada trabalho tem suas características, no meu a liberdade é algo que sempre está pairando sobre nós neste sentido.
8h51: Não cheguei atrasado. Amém! Mas corri demais!
8h56: Já estou na sala para nossa aula matinal de ballet clássico. Nossas aulas tem duração de 1h30. Mas especialmente ontem e hoje, a aula foi/será apenas 40 minutos, pois precisamos remontar o balé “Revoada” e voltar a ensaiar “Sra. Margareth” para dançarmos em maio em Ipatinga/MG.
9h40: “Revoada” de Gigi Caciuleanu é um dos balés mais lindos – na minha opinião – da Cisne Negro Cia. de Dança, porém ele é bem difícil, técnico e cheio de linhas clássicas. A antecipação se fez necessária porque estarmos em processo de criação de um novo espetáculo que também estreia em maio, então como não se pode tirar tempo da criação a solução foi antecipar a aula para termos esse tempo para ensaiar os outros balés para esta viagem.
Para entenderem: O nosso dia é dividido da seguinte forma; das 9h às 10h30: aula (ballet clássico, contemporâneo ou yoga), das 10h45 às 13h ensaio, das 13h às 13h30 almoço e das 13:h0 às 15h ensaio. A montagem nova está sendo um desafio para todos por sua proposta em si que junta elementos cênicos (muitos) com danças populares brasileira – não posso falar muito sobre pois será surpresa. Ainda estamos na fase de criação da dramaturgia para em seguida irmos para a parte física. O processo é lento e gradativo para que seja bem amarrado. Contudo, estamos empolgados.
13h03: Hora do almoço. Eu sinto fome ininterruptamente – sério – então na hora do almoço eu me deleito, mesmo sabendo que temos pouco tempo para digerir a comida (risos). Trago minha comida de casa, a famosa marmita, por dois fatores; primeiro a companhia é sediada no bairro da Vila Madalena/SP e é caríssimo comer na redondeza e segundo porque não dá muito tempo de sair, comer e voltar.
13h36: Sempre me sinto mais disposto depois de comer (risos). Retornando para a montagem, faremos agora um “corrido” do que tem pronto da nova criação. Como ainda estamos na parte da dramaturgia a parte coreográfica não está estruturada o que para nós bailarinos é um desespero total né, uma vez que nos apegamos nas sequências de dança para dar sentido ao que estamos fazendo. Hoje temos até plateia. Só arrumando os adereços cênicos que nos damos conta da ampla cenografia que este espetáculo terá, qualquer dia vou contar quantos adereços são.
14h01: Começa o ensaio corrido! Gente, pensa em um vuco, vuco. É um pega vassoura, larga vassoura, pega pano se enrola, pega os chapéus, coloca eles errados, máscara que cai… Deus, que confusão (risos). Mas aos poucos tudo se encaixa.
14h22: Ensaio finalizado. O espetáculo terá por volta de uma hora de duração, e em 20 minutos já “estruturados” sentimos que a obra será bem aeróbica. Na sequência, a coreógrafa à frente da criação já começou a fazer algumas alterações de estrutura. Olho para o relógio fitando-o para ver se já são 15h (risos) porque hoje eu não vou embora, tenho outro ensaio em seguida.
15h: Acabou nosso dia de trabalho na companhia – e é sexta-feira. Desço correndo para tomar banho, trocar de roupa e descansar um pouco, pois as 15h30 começo outro ensaio, só que desta vez não mais na posição de bailarino, mas sim como ensaiador e criador.
Sobre coreografar: Desde 2015 comecei uma pesquisa pessoal intrínseca e gestual para descobrir o que é a minha dança, o que em dezoito anos dançando se acumulou dentro de mim e como eu transformo isso em a minha dança de essência. Esse processo pessoal me levou a começar a experimentar processos coreográficos. Ou seja, comecei a criar, coreografar minhas próprias ideias. Sempre senti que faltava algo para que me completasse na dança e quando comecei a coreografar passei a me sentir 100% dentro da arte que escolhi para minha vida. Coreografar para mim é um exercício que deve ser corriqueiro, tem que realmente experimentar, criar, mudar, recriar e tentar. É um exercício contínuo que amo fazer. E confesso que me modificou como profissional, mudou meu entendimento da dança com um todo, amadureci muito por tentar descobrir o que seria a dança para mim e a que vem de mim. No princípio comecei experimentar e criar solos para mim, depois para amigos. Aí evoluiu para duos, que chegou em coreografias e quando vi já estás coreografando para escolas de dança, bailarinos e companhias profissionais. Como coreógrafo (não gosto muito dessa rotulação, coreógrafo é muito forte e impositiva, mas temos que assinar as criações). Eu me vejo mais como um criador emergente, alguém que incessantemente quer se descobrir e nesse lugar coreografei para a Cisne Negro Cia. de Dança (2015 e 2017), para o Núcleo Tentaculo (2018), para o Balé Cidade de Campina Grande – PB (2018) e para a Cia, Jovem Cisne Negro (2019).
15h28: Já estou na sala 3 (no mesmo prédio sede da Cisne Negro Cia. de Dança) para conduzir meu ensaio. Todos estamos ansiosos, pois neste final de semana será a estreia oficial da Cia. Jovem Cisne Negro. Fui o primeiro coreógrafo “criador” a ser convidado para criar nessa nova companhia. Um misto de sensações e sentimentos passam por mim. Pois ser convidado para criar já é algo magnífico para mim, pois toda oportunidade de coreografar que tenho eu agarro com unhas e dentes, agora ser convidado para ser o coreógrafo estreante de uma companhia nova é outra história. É uma sensação de reconhecimento. A companhia estreará amanhã (sábado) e domingo em dois festivais distintos. Vejo esses olhos brilhantes e jovens que me fitam de volta com ternura e desejo de aprender mais. Quando comecei a coreografar para eles eu via em seus rostos uma mistura de medo por saberem que o que viria seria desafiador e ao mesmo tempo um certo agradecimento por não tratá-los como bailarinos amadores, mas sim como artistas que almejam e buscam a vida e os desafios de um(a) bailarino(a) profissional.
15h35: Passamos a coreografia pela primeira vez, como combinado no último ensaio. Iremos passar a obra no mínimo três vezes. Alguns lugares são revezados, por isso, tenho que ensaiar os dois elencos com a mesma intensidade e atenção. Temos que nos precaver para imprevistos.
15h45: Correções, elogios, chamo atenção. Refazemos o que foi mal executado, peço para o segundo elenco prestar atenção nas correções para que não ocorra também. Aproveito e me antecipo e já marco com o segundo elenco algumas partes. E vamos passar à segunda vez, para quem reveza sinto um certo alívio pois irá descansar um pouco.
16h: Última passada, troca o elenco de novo. Está foi a melhor vez que fizeram, pois como o cansaço já é visível e latente, eles colocam menos força e com isso os movimentos fluem de forma mais natural e genuína. Gosto assim.
16h30: Chamo-os para sentarem próximos a mim, digo que chegamos ao término do nosso ensaio e faço ressalvas. Como não esquecerem jamais de dançarem, de curtirem o momento o palco, a luz que baterá no rosto e a energia que será emanada de dentro para fora do palco e de como o público sempre nos manda essa energia de volta. Lembro-os também para não esquecerem do figurino e que estarei em coração e mente com eles no dia seguinte.
16h55: Saio da sede da companhia 16:55, rumo a minha viagem de volta para casa, só de pensar na distância fico mais exausto. Para chegar ao metrô vila Madalena tenho que subir uma ladeira que mais parece uma parede de tão íngrime (risos) e dali força nas pernas. Não existe mais horário de pico, o transporte público é abarrotado de gente o tempo todo (como tem gente no mundo né), pelos menos consegui sentar no metrô.
19h: Cheguei em casa. Agora é tomar um bom banho, deitar um pouco e comer. Quase sempre quando chego meu amigo já fez a comida, quando não eu cozinho faço apenas o básico do básico; arroz, macarrão, frango, legumes – panela de pressão JAMAIS pensa no medo (risos). Eu sempre assisto o jornal – vários – vou mudando de canal e onde estiver passando eu assisto. Igualmente, sempre leio jornal pela manhã, pego os que são distribuídos nas estações. Sempre gostei de ler e me informar. Fora minha carreira artística sou formado em jornalismo e pós-graduado em Gestão Cultural. Na última segunda-feira, por exemplo, fui buscar meu diploma da pós-graduação que demorou bastante para ficar pronto. Pensa em uma pessoa feliz andando na rua com o documento na mão.
23h45: Agora me preparo para dormir e a melhor parte é que não preciso colocar o despertador, pois amanhã é SÁBADO. Na segunda a gente começa tudo de novo… e feliz.
E com a Giovanna a gente quis saber como é começar a semana na Companhia.
Espia só como foi a segunda-feira dela, dia 9 de abril.
6h45: Despertador tocou e cinco minutos depois levantei da cama. Segunda-feira é sempre um dia mais difícil de acordar, bate uma preguiça a mais. Logo que eu saio da cama vou me trocar, sempre escolho minha roupa com base na aula e nos ensaios que teremos no dia. Eu sou super rápida pra me arrumar de manhã e em 10 minutos eu estou pronta para sair de casa. Como hoje faremos aula de ballet clássico optei por ir de collant.
7h: Pego meu café da manha e saio de casa. Não sou muito bitolada com alimentação, afinal comer é uma das coisas que eu mais gosto, mas procuro fazer uma alimentação regrada e balanceada durante a semana. No café da manha costumo comer meio pão francês com frios e tomar chá. Normalmente vou para o Cisne de metro, mas como vou ter compromissos logo após o período de trabalho vou ter que ir de carro hoje.
Devido ao dia corrido e a necessidade de ir de um lugar para outro sem passar em casa, eu sempre saio de casa mega carregada.
8h45: Cheguei no Cisne. Moro em São Caetano do Sul e é longe da sede do Cisne que fica na Vila Madalena o que faz com que eu tenha que sair mais cedo de casa. Além disso, nesse horário da manhã tem muito trânsito… achei até que ia chegar atrasada hoje, ainda mais que estava chovendo. Demorei uma hora e quarenta minutos para chegar. Assim. que cheguei fui direto para a sala de aula e comecei a me alongar para a aula.
9h: Começou a aula de ballet. A aula na segunda-feira sempre é um pouquinho complicada, porque ficamos parados no final de semana o que faz o corpo relaxar depois de uma semana de trabalhos intensos. A segunda é o primeiro dia que voltamos a nos mexer, então é o momento para voltar a colocar tudo no lugar para mais uma semana de trabalho.
9h40: Desde semana passada estamos fazendo uma aula reduzida que consiste e uma barra de aquecimento. Logo em seguida começamos a ensaiar “Revoada”, que iremos dançar em Ipatinga, em maio. Eu nunca dancei essa coreografia então o processo é mais complicado porque ainda estou me acostumando com a movimentação, as sequencias e a música.
10h30: Acabou o ensaio e temos um intervalo. Nesse tempo eu sempre costumo comer algo como uma fruta…
11h: Retornamos aos ensaios. Estamos tendo uma montagem nova, que ainda não pode ser revelada. Tem sido uma montagem um pouco difícil, por conta de ser algo muito diferente do que normalmente estamos acostumados a fazer. A movimentação é nova para nós e ainda esse trabalho exige muita teatralidade, além de um trabalho corporal diferenciado.
13h: Fomos liberados para o horário de almoço. Esse é um momento de descontração para a companhia, almoçamos quase todos juntos e aproveitamos para conversar e dar muita risada. Costumo levar uma marmitinha de salada e outra que normalmente tem uma proteína e um carboidrato.
13h30: Voltamos a ensaiar a coreografia nova.
15h: Término das atividades da companhia
16h: Além de bailarina eu também sou formada em direito. Não atuo diariamente na área mas sempre que aparece alguma coisinha eu pego. Apesar de não atuar como advogada eu estudo para concurso público e as terças e quintas feiras eu faço pós- graduação na área do direito. Hoje em especial eu tive uma reunião que durou 30 minutos.
18h30: Cheguei em casa. Nesse horário o trânsito é pior ainda e estava chovendo. Demorei 2 horas para chegar em casa, eu juro que não aguentava mais ficar dentro do carro. Descansei um pouco, tomei banho e me arrumei.
20h20: – Fui para o inglês. Eu faço inglês desde bem pequena e acho importante continuar estudando porque ao parar a gente acaba perdendo muito da língua.
22h: Cheguei em casa e sentei para jantar. Como eu sempre espero minha mãe chegar em casa do consultório (ela é dermatologista) para jantarmos juntas e podermos pelo menos compartilhar uma refeição e colocar a conversa em dia, eu acabo jantando bem tarde. De noite não gosto de comer nada muito pesado, motivo pelo qual eu sempre opto por uma sopa e uma saladinha.
23h59: Hora de ir para cama que amanhã tem mais um dia longo de trabalho…
Nota: O relato de Cásar Dias corresponde a sua rotina no dia 5 de abril de 2019 e o de Giovanna do dia 9 de abril de 2019.
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