Eles deixaram suas famílias, casas, cidades com o intuito de se tornarem bailarinos profissionais ou viverem desta arte
Marcela Benvegnu | [email protected]
Quando somos adolescentes sempre vem aquele pensamento à mente: quando eu fizer 18 anos, quero ter a minha casa, ser dono do meu horário, não dar mais satisfação a ninguém e pagar as minhas contas. Só que quando queremos ser profissionais da dança, não imaginamos que às vezes essa saída chegue mais cedo (ou mais tarde) do que a gente espera e que nem sempre se vive um conto de fadas.
Quando esse momento chega na vida de um bailarino quando a resposta quase sempre é a mesma: Sim! É o momento de aprender a lidar com a saudade, arrumar as malas e embarcar para conquistar o seu sonho: ser bailarino profissional, seja indo para uma escola de dança, ou mesmo para uma companhia. Na matéria de hoje conversamos com quatro pessoas que passaram por essa (mu)dança recentemente, duas delas para estudar em grandes e importantes escolas e outras duas para dançar profissionalmente. O que oIsaac, a Geovana, o João Vitor e a Ana Carolina têm em comum? A vontade de viver de dança, custe a “saudade” que custar.
DE JACAREÍ PARA JOINVILLE
Ele andou de avião pela primeira vez para conquistar um sonho, entrar para a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville. “Parecia que estava muito devagar, mas estava muito rápido”, fala Isaac Otávio Gomes da Silva, 11, sobre o vôo. No dia da audição, que aconteceu durante o Festival de Dança de Joinville, em julho, Isaac conta que não teve frio na barriga, que se alongou, fez os exercícios que eram pedidos e pouco a pouco, ele, que era o número 485 foi ficando cada vez mais perto do seu sonho.
Aluno do Studio de Dança Monique Paes, de Jacareí, ele começou fazendo aulas de sapateado e jazz e depois foi se dedicar ao ballet. A escola possui uma parceria com a Associação Fênix, local onde o bailarino foi descoberto. “Meu irmão e minha irmã faziam violão e eu fui lá um dia buscá-los e vi que as meninas estavam fazendo ballet. Perguntei se só meninas faziam ballet e me falaram que não. Eu quis fazer”, conta.
Ele gosta do frio na barriga do palco, dos aplausos, sonha em ajudar a família, conhecer Nova York e ser um bailarino profissional. “Quando cheguei fiquei muito ansioso e feliz porque eu ia fazer o que eu gosto. Não é fácil porque eu estou longe da minha família, mas eu estou sendo bem cuidado aqui. As aulas são muito puxadas, mas estou encantado e aprendendo novas danças. É um conhecimento diferente. Tenho saudade da minha cidade, mas eu estou aqui para realizar um grande sonho, que é ser um bailarino profissional”.
DE JOINVILLE PARA A ALEMANHA
Geovana Peres da Costa, 20, começou a fazer balé por influência do irmão gêmeo, que ficava depois da escola no futebol e ela o aguardava, então, optou por assistir as aulas de balé. Foi instantâneo: se apaixonou e pediu para a mãe que a matriculasse. Desde então, não parou mais.
“Vivo para essa arte linda, é o que me move por completo desde quando eu acordo até a hora que eu vou dormir, é um entrega diária, sacrifícios, mas tudo pela dança, afinal ela me retribui de uma maneira tão gratificante que no fim tudo isso é nada perto dessa relação de amor!”, fala a bailarina que se mudou de Joinville para Gera, na Alemanha, este ano.
“A oportunidade de dançar fora veio através das audições que eu fiz no começo do ano na Europa. Atualmente trabalho na Staatsballett Thuringer. A rotina é bem diferente do que eu estava acostumada no Brasil. Trabalhamos aqui em 2 períodos e todos os dias temos aula durante a manhã e seguimos com os ensaios de segunda a sábado. Além do trabalho no teatro, frequento também a academia e adoro fazer aulas de Gyrotonic. Temos aulas de alemão oferecidas pelo próprio teatro também”, conta Geovanna, que era bailarina da Cia. Jovem Bolshoi Brasil e é natural de São Paulo.
“O que eu mais sinto falta no Brasil são as pessoas, em especial minha família, além da comida, é claro. Mas estou conseguindo me adaptar muito bem aqui, pois mais do que profissionalmente estou amadurecendo como pessoa, uma vez que estou “sozinha” em um país totalmente diferente do meu, onde preciso fazer “tudo” para e por mim. Profissionalmente esta experiência é muito importante, especialmente por poder ver como a dança pode ser tão ampla. Aqui dançamos desde remontagens de ballet de repertório até musicais, o que tem sido uma experiência incrível. Também é muito interessante trabalhar em um país onde a arte é realmente valorizada”, completa.
DE SÃO PAULO PARA NOVA YORK
Quando João Vitor Palma, 19, foi selecionado para a semifinal do Certament Ciutat de Barcelona, por meio do Festival Aplausos, ele não imaginava que sua vida estaria para mudar completamente.
Na plateia da sua apresentação – um solo de dança contemporânea coreografado por Jhean Allex – na Espanha, estava o Igal Perry, diretor da Peridance Capezio Dance Center, de Nova York, que ali lhe concedeu uma bolsa para o curso profissionalizante com duração de dois anos da escola. “Morar em Nova York sempre foi o meu sonho desde quando comecei a dançar com 9 anos, mas para mim esse sonho sempre esteve longe. Foi uma grata surpresa quando fui contemplado para o Certificate Program. Aqui, faço aulas todos os dias das 8h30 às 18h, de ballet clássico, dança contemporânea, hip hop, técnica masculina, barre a terre, yoga, improvisação, aulas teóricas de composição coreográfica, história da dança, música, anatomia”, conta o bailarino que no momento ensaia para apresentações de O Quebra-Nozes com a Peridance, no final do ano.
João sente saudade, mas também sabe que essa é uma oportunidade única na sua vida. “Sinto muita falta da minha família, da minha casa, pois sou filho único e sempre fui muito apegado aos meus pais, sinto falta também do calor humano dos amigos, da comida, do tempero brasileiro. Em contrapartida, estar aqui em NYC fazendo parte da Peridance, estudar com bailarinos do mundo inteiro, orientado pelos profissionais altamente capazes e sentir que melhoro a cada dia, não tem preço, é um sonho se tornando realidade”, conta. “Aqui em NYC acontece tudo muito rápido. Nesse pouco tempo que estou aqui (ele se mudou em setembro) já fiz aulas de tantos estilos de dança que eu nem sabia que existia ou só tinha ouvido falar. Essa experiência está me trazendo grandes aprendizados como bailarino e como pessoa. Não só o João Vitor bailarino está crescendo, mas sim o João Vitor ser humano.”
DE SOROCABA PARA ALEXANDRIA
Ana Carolina de Freitas Tomioshi, 30, se mudou para Alexandria, nos Estados Unidos há pouco mais de um mês e a vida deu uma reviravolta de 360º graus. “Eu já pensava há algum tempo em ter uma experiência fora do Brasil e a oportunidade surgiu com uma proposta da Metropolitan School of the Arts para ser professora de sapateado durante a temporada de 2018-2019 através de uma indicação de um querido amigo, o sapateador, Charles Renato. A partir daí eu pensei muito nos prós e contras e decidi vir morar um tempo nos EUA para trabalhar e estudar”, conta.
O que ela não esperava é que no dia seguinte a sua chegara iria fazer uma audição e receber um contrato. “Além das aulas que estou dando em duas escolas, também passei na audição para integrar o elenco da Cia. de Sapateado Sole Defined, que tem base em Washington DC e é dirigida por Ryan e Quynn Johnson. Temos ensaios duas vezes por semana e uma vez por semana pego ônibus pra ir pra Nova York para passar o dia estudando e fazendo aulas de vários estilos de dança”, conta Ana.
Sobre a mudança ela conta: “Minha carreira estava indo bem no Brasil. Eu amava trabalhar na Sheila’s Ballet e participar dos festivais nacionais de sapateado. Temos uma comunidade linda! Porém, eu ainda sentia que precisava me aprimorar mais como sapateadora, bailarina, professora, profissional da dança. Eu tenho tanto ainda para aprender e muita disposição pra correr atrás!”.
“Sem dúvida o que eu mais sinto falta do Brasil é o contato com as pessoas: minha família, amigos, namorado. Da comida também! E sei que com o inverno chegando por aqui, vou sentir muita falta do verão brasileiro, mas acredito que essa experiência vai me ajudar a ser uma artista melhor em todos os sentidos e, consequentemente, uma melhor pessoa, professora e coreógrafa. Os Estados Unidos é o berço do sapateado e esse contato que estou tendo e ainda vou ter com tantos mestres é incrível… é lindo ver que essa arte tem seu espaço por aqui, faz parte da história cultural e é sim valorizada. Estou cada vez mais inspirada a lutar para que num futuro próximo seja assim no Brasil também!”, finaliza a sapateadora.
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