Conheça a história de alguns professores e alunos de balé adulto que dançam por arte e prazer
por Marcela Benvegnu | [email protected]
Se você está pensando que uma pessoa só vai fazer ballet adulto porque ela quer realizar um sonho de infância, é preciso que você mude o seu conceito agora. Essa história já está saturada e, sobretudo, difere muito do modo pelo qual muitas pessoas buscam a dança. Ballet é arte. E ensinar dança para adultos (adolescentes ou crianças) é coisa séria.
O número de escolas que se dedicam ao ballet adulto cresceu muito nos últimos anos, assim como a sua demanda. “Comecei a fazer aula aos 39 anos de idade. Queria muito fazer ballet clássico, mas as escolas que eu entrava não me levavam a sério. Eu acabava fazendo aula com as crianças e o trabalho não era voltado ao meu corpo. Queria ser aluna de verdade, aprender os passos, a diagonal, a barra”, relembra Claudia Bengtson, jornalista, que aos 47 resolveu virar o jogo. “Eu queria dançar e nessa busca encontrei uma professora incrível (Adriana Palowa), que eu sabia que poderia me ajudar a fazer isso. Foi quando propus sociedade a ela no projeto Bailarinas por que não?! e tive a ideia de procurar a Escola Parque 308 Sul, que estudei quando criança e tinha uma sala de dança, para ser a nossa sede aqui em Brasília. Marquei uma reunião e apresentei a ideia. Foi aí que tudo começou”.
O projeto nasceu em agosto de 2015 e desde então tem como proposta ministrar aulas para pessoas acima de 18 anos. “Temos um trabalho sério, com professores convidados, cursos, viagens. Iremos a Nova York esse ano em busca de mais especialização. Ir para o palco com esse grupo é uma realização, é a prova de que um trabalho sério e dirigido tem resultado”. Hoje mais de 80 pessoas integram o projeto, que recentemente inaugurou uma aula ainda mais especial, a Silver Class, para mulheres acima dos 60 anos.
ENSINO – Há 9 anos, a bailarina Karen Ribeiro, 40, fundou o Balé Adulto KR, em São Paulo. Suas alunas com idades entre 19 e 61 anos deixam cheias as duas salas de aula da escola de segunda a sábado, nos três períodos. “Quando o adulto chega aqui, a nossa missão é descontruir o padrão de corpo que ele apresenta e trabalhar as emoções que ele carrega. Meu trabalho é o de ser uma ferramenta, uma ponte entre a técnica da dança clássica e o corpo delas”, fala Karen. “O professor de balé adulto, antes de qualquer coisa precisa estar preparado. A grande questão é ter consciência de quem é o aluno, quais as suas possibilidades e o que ele vai fazer, claro, sem infantilizá-lo”. Com relação ao uso da sapatilha de ponta ela segue o mesmo pensamento. “O uso da sapatilha de ponta segue o mesmo conceito, individual, e cada um tem um tempo diferente para esse uso. E novamente digo, o trabalho deve ser consciente e técnico”, acredita.
Marcia Ylana, 28, bailarina graduada em Dança pela Universidade Anhembi Morumbi, que fundou o BLA (Balé Livre para Adultos) em 2016, também em São Paulo, ressalta que é preciso respeitar os limites articulares de cada corpo para que o trabalho possa ser bem feito. “A disponibilidade de corpo da criança e do adolescente são diferentes da do adulto. Precisamos, antes de introduzir a técnica clássica de que ele tenha consciência corporal, entenda melhor o seu corpo”, revela. “É preciso desconstruir para construir, para que o aluno não copie a forma do gesto, mas entenda o seu sentido. Nesse caso, o toque da professora para que essa sensibilização do movimento – de dentro para fora – aconteça é de fundamental importância, assim conseguimos ter um trabalho de adulto de qualidade”, completa. “Nas aulas me ajuda muito quando uso materiais ou acessórios que estimulem a musculatura ou por consequência acabam obrigando a musculatura do aluno a trabalhar. Assim o aluno entende ativamente o que precisa fazer por conta própria no corpo ou partes dele”.
NO CORPO – Celina Dicolla Marchesini tem 61 anos e desde os 58, depois de um câncer de mama, calça as sapatilhas de ballet. Aposentada por invalidez por conta de uma fibromialgia ela sempre gostou de dança e de tanto acompanhar a filha nas aulas de ballet adulto resolveu, por muita insistência da mesma, experimentar. “Confesso que achava uma loucura entrar numa sala de ballet com a minha idade, mesmo com a professora me dizendo que o ballet era para todo mundo, que não tinha idade… Eu achava algo absurdo, mas fui. E naquele mesmo dia me lembro que fui a loja da Só Dança (olha a coincidência!) para comprar as roupas e a sapatilha”, lembra Celina.
Quando chegou o meu primeiro dia, não era eu que levava a minha filha para a aula de dança, mas era ela quem me levava. E o que parecia tão simples, leve e solto não era bem assim. Da barra solo, que dá vontade de desistir, você vai para o plié e com ele chegam muitos nomes que você acha que nunca vai aprender. Você também nota que existem músculos inimagináveis, posturas nada anatômicas, um braço que insiste em cair, um espelho que não para de te seguir, uma música linda, uma barra, e um monte de bailarinas te olhando pelo espelho e de repente você se vê sendo uma delas, toda desengonçada, fora do tempo, correndo atrás, mas está lá. Tenho que confessar que quando a aula terminou eu estava chorando de alegria. A dança nos faz esquecer de todos os problemas. Hoje não tenho mais nenhum sintoma de fibromialgia e cresci, ou melhor desentortei, 3 centímetros”, comemora.
“Eu nunca tive o sonho de fazer ballet, na verdade eu quando criança ia na contramão de tudo e queria mesmo é fazer futebol. Mas quando me vi aos 43 anos procurando uma atividade que fosse fazer bem ao corpo, alma e que juntasse música e movimento, pensei porque não experimentar a dança clássica? Foi aí que me apaixonei”, fala a advogada carioca Ana Cecília Moraes. “Eu encontrei uma escola que dava aulas para adultos e seguia uma metodologia para o corpo do adulto. Gostei e hoje é a minha terapia. Faça chuva, faça sol, eu estou lá 3 vezes por semana. Passei a ser uma plateia mais crítica de dança e entendo no meu corpo o que vejo na cena”, fala. Ana Cecília nas férias também viaja para o exterior e aproveita para fazer umas aulas. “Antes eu tinha vergonha porque era mais velha, mas hoje? Ah, hoje eu tenho é orgulho”.
A designer Vivian Marino Gonçalves Pereira, 32, já tinha feito ballet quando na infância e na adolescência e aos 24 resolveu voltar a dançar quando buscava uma atividade física que também tivesse um lado artístico. “Embora eu tenha feito ballet quando jovem, ele só se tornou realmente importante quando voltei como adulta. Voltei com a meta de só ter uma atividade, mas em menos de um ano já estava completamente envolvida, participando de apresentações e todo tipo de projeto com a escola. Quando eu era jovem existia uma certa cobrança de “por que gastar tanto tempo e dinheiro” com uma coisa que não iria ser a minha fonte de renda? Como adulta essa pressão não existe mais, então foi bem mais fácil me envolver. Hoje dedico grande parte do meu tempo livre ao ballet, cada momento de aula e ensaio é algo muito especial, fiz muitas amizades e acabei mudando muitas coisas no meu estilo de vida por conta disso”, fala. “Hoje quem define meus objetivos com o ballet sou eu mesma e de acordo com meu tempo – e tempo livre é algo que varia muito na vida adulta. Contudo, isso nos dá muito mais liberdade no processo de aprendizado. Não há uma culpa por não conseguir fazer certo passo em um tempo determinado, e acredito que isso faz a experiência ser muito mais prazerosa. Hoje o ballet para mim significa liberdade”.
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