Na segunda matéria da nossa série sobre jazz dance entenda como o jazz chegou a Broadway e também alguns ícones que criaram técnicas do gênero
Marcela Benvegnu | [email protected]
A dança negra, especificamente o jazz, apareceu na Broadway por meio de apresentações esporádicas, em 1883, mas só depois da estreia da primeira ópera folclórica, Porgy and Bess, escrita por George Gershwin (1898-1937) que o gênero passou a conquistar os nova-iorquinos e passou a ter lugar ao lado dos brancos, que muito se interessaram em criar um swing às possibilidades coreográficas que apontavam às características do gênero. Ah! Se você não leu a nossa primeira matéria sobre o nascimento da história do jazz clique aqui e depois volte para este texto.
O fenômeno mais importante desta época foi à influência direta do jazz no que se refere à música e à dança nos ambientes teatrais e musicais de Nova York. O jazz dance proporcionou à dança americana novas perspectivas coreográficas, dentro das quais não se pode esquecer a influência da dança clássica. A principal inovação do período foi uma individualização do grupo de intérpretes, o que fez com que ele perdesse seu caráter simples para adquirir uma dimensão dramática dentro da história. Tal complexidade de funções ofereceu a eles uma maior possibilidade de profissionalização do ofício de coreógrafo, cuja tarefa também passou a ser de diretor de cena.
Uma necessidade de aperfeiçoamento dos bailarinos começou a aparecer em paralelo a este movimento; não bastava que os solistas tivessem um bom tipo físico, mas seus critérios técnicos de dança e canto teriam que ser avaliados. Como consequência de tal evolução, um número crescente de boas bailarinas, capazes de se adaptar a uma dança comercial, a uma dança negra, à comédia musical e até ao balé clássico começou a aparecer.
E foi a Broadway, que se beneficiou muito do avanço da qualidade técnica dos intérpretes durante os anos 20, quando muitos profissionais que estavam acostumados a coreografar trabalhos na linha da dança clássica passaram a realizar musicais. Entre eles destacam-se: Jack Cole (1911-1974), Robert Alton (1906-1957), Jerome Robbins (1918-1998), George Balanchine (1904-1983), Bob Fosse (1927-1987) e muitos outros. Nesta época alguns bailarinos como Fred Astaire (1899-1987), Marilyn Miller (1898-1936), Cyd Charisse (1922-2008), Mikhail Baryshnikov (1948), Leslie Caron (1931), Bill “Bojangles” Robinson (1878-1949), Clifton Webb (1889-1966) e outros, convertiam o sapateado das ruas em um espetáculo elegante e de êxito popular.
A partir de então a Broadway passou a ser uma referência da comédia musical durante os anos 30 e esse status veio das mãos do coreógrafo russo que renovou o balé clássico, George Balanchine, criador de coreografias do gênero que ficaram marcadas como On Your Toes, I Married and Angel, The Marry Widow, Where is Charley?, Who Cares?, e outras.
Vejam Who Cares? e toda influência da dança clássica presente no musical:
Porém, a verdadeira época de ouro da Broadway se deu depois dos anos 40, com coreografias de Jack Cole, aluno de Ruth St. Denis (1879-1968), que foi o responsável pela fusão do jazz com outros tipos de rituais, como o hindu, e Agnes de Mille (1905-1993), antiga aluna de Balanchine que coreografou Black Ritual (1940) e obras que tiveram influências folclóricas americanas, como Rodeo (1942), Oklahoma! (1943) e Brigadoomn (1947).
Ao estilo de Jack Cole, chamado de Pai do Jazz Dance por muitos:
Vejam aqui o Mikhail Baryshnikov em Oklahoma!:
Hanya Holm (1893-1992), uma alemã nacionalizada americana que criou trabalhos que entraram para a história, como Kiss me Kate (1948) e My Fair Lady (1956) também se destacou nesta década, seguida de Michael Kidd (1919-2007), que em 1945 coreografou On Stage! E de Jerome Robbins, que foi sem dúvida a grande revelação da comédia musical nos Estados Unidos com West Side Story (1957), seu grande marco na história do jazz dance. E quando parecia não haver mais inovações, em 1960 surgiu Bob Fosse (1927-1987), criador de Cabaret (1972), Chicago (1975), All That Jazz (1979), e outros. Foi com ele que o jazz ganhou identidade própria.
O lendário WWS:
All That Jazz do genial Bob Fosse:
Nos anos seguintes, as grandes produções da Broadway passaram a competir com as produções cinematográficas da televisão, o que fez com que o número de espetáculos diminuísse, mas por outro lado, a televisão recuperava os bailarinos por meio dos programas de variedades para acompanhar cantores. A comédia musical para a televisão nasceu ao mesmo tempo em que o cinema deixou de ser mudo. O primeiro filme sonoro da história do cinema foi The Jazz Singer (1927) e sua aceitação foi tão grande que fez com que a indústria cinematográfica recuperasse atores, bailarinos, músicos, cenógrafos e coreógrafos que atuavam nos teatros.
Cole, Alton, Robbins, Balanchine, Fosse, Kidd, Astaire, Webb, Dunham, Charisse, Baryshnikov, Caron, Bojangles, Ginger Rogers (1911-1995) e outros, são alguns dos nomes que atuaram tanto na indústria do cinema de Hollywood quanto nas comédias musicais dos palcos da Broadway, e que fizeram com que nomes musicais como Cats, Oklahoma!, Grease, West Side Story, A Chorus Line, Fame, Starlight Express, 42nd Street, Chicago, All That Jazz, O Fantasma da Ópera, e outrosse tornassem mais populares e sonoros. Alguns destes trabalhos continuam em cartaz até hoje na Broadway, em Nova York, sendo de muitos ganharam remontagens em todo o mundo, especialmente no Brasil. Mas Brasil é o tema na nossa terceira e última matéria desta série que você confere na semana que vem.
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GRANDES NOMES, GRANDES TÉCNICAS
Se você acha que o jazz dance não tem técnica, tire isso da cabeça, porque assim como a dança clássica ele tem sim e várias, que você pode escolher a melhor para o seu corpo. Seja jazz tradicional, moderno, lírico ou mais contemporâneo, todos (veja bem, todos) precisam de técnica para dançar.
JACK COLE (1913-1974)
Mais conhecido como “O Pai” do Jazz Dance. Começou pela dança moderna, com Ruth Saint Dennis e Ted Shawn, e durante a era da depressão norte-americana, trocou a dança moderna pela dança comercial, passando a fazer shows em nightclubs e posteriormente nos musicais da Broadway. O jazz dance já era conhecido naquela época, mas faltava técnica, e Cole foi o primeiro bailarino deste estilo a fundir as técnicas da dança moderna aos movimentos “populares” do Jazz. A técnica Cole, trabalha com pliés profundos, explosão dos movimentos, isolação muscular, sincopação, deslizes em trabalho de solo, ou seja, características ainda hoje mantidas no jazz e comuns em todas as aulas e a todas as diversas técnicas que foram posteriormente criadas. Cole também foi pioneiro em fundir a este estilo movimentos das danças orientais, principalmente indianas, seguindo a linha de seus professores de dança moderna da Dennishawn School. Jack coreografou diversos musicais na Broadway e também chegou à Hollywood, trabalhando como coreógrafo para cinema, em películas como “Eles Preferem as Loiras”, com Marilyn Monroe.
MAT MATTOX (1921-2013)
Começou fazendo sapateado quando tinha onze anos de idade e mais tarde começou a fazer aulas de balé clássico. Era um bailarino de grande agilidade e executava giros com enorme rapidez e perfeição. Começou a dar aulas nos anos 50 influenciado por Jack Cole e em meados dos anos 70 se mudou para a França e lá fundamentou sua técnica de jazz como um estilo que prezava a liberdade dos movimentos. Ele criou exercícios numerados para trabalhar a sua técnica e até hoje ela é difundida, nos Estados Unidos e na Europa. Estreou em Hollywood em 1944, atuou em mais de 25 filmes, como: “There’s No Business Like Show Business”, “Till Clouds Roll By” ao lado de Judy Garland, “The Band Wagon” com Cyd Charisse e “Heat Wave” com Marilyn Monroe. Confiram aqui:
JEROME ROBBINS (1918-1998)
Desde pequeno mostrou talento para aulas de música, dança, teatro e artes plásticas, era considerado um artista completo pela crítica americana. Robbins foi o coreógrafo que mais influenciou gerações da dança contemporânea e da dança moderna nos anos 40 nos Estados Unidos. Em 1940 entrou para o corpo de baile do American Ballet Theatre (ABT) e em 1941 se tornou solista da companhia. Coreografou para o ABT: “Fancy Free” (1944), “Interplay” (1945), “Facsimile” (1947) e “Summer Day” (1947). Em 1949, se juntou ao NYCB – New York City Balletcomo bailarino e diretor artístico, permanecendo nesse cargo por muitos anos. Para o NYCB, coreografou obras que fazem parte do repertório da Cia até os dias de hoje, como: “Jones Beach” (com George Balanchine) (1949), “The Guest” (1949), “Age of Anxiety” (1950), “The Cage” (1951), “Ballade” (1952), “Fanfare” (1953), “Afternoon of a Faun” (1953), “Quartet” (1954), e “The Concert” (1956).
Para a Broadway, coreografou e dirigiu muitos shows, entre eles, destacam-se: “On the Town” (1945), “Billon Dollar Baby” (1946), “High Button Shoes” (1947), “Look Ma I’m Dancin’” (1948), “Miss Liberty’ (1949), “Call Me Madam” (1950), “The King and I” (1951) e “Two’s Company” (1952); Co-dirigiu: “The Pajama Game” (1954), “Peter Pan” (1954) e “Bells are Ringing” (1956); dirigiu e coreografou: “West Side Story” (1957), “Gypsy” (1959), “Funny Girl” (1964), e “Fiddler On the Roof” (1964). Em 1958, Robbins deixou o New York City Ballet para dirigir sua própria companhia de dança denominada Ballets U.S.A, para quem coreografou obras como “New York Export Opus Jazz”. Ballets U.S.A fez sucesso nos Estados Unidos e Europa por pouco tempo, fazendo com que Robbins voltasse a coreografar para grandes cias de dança. Jerome Robbins é considerado o mais importante coreógrafo americano do século, por ter obras imortalizadas no repertório de grandes companhias filmes e musicais.
BOB FOSSE (1927-1987)
Tecnicamente não era considerado um bailarino perfeito, não tinha excelente postura, flexibilidade, tampouco destreza para giros, mas nenhum desses requisitos, impediu que ele se tornasse um dos grandes profissionais do Jazz Dance na América. Iniciou seus estudos sozinho, ainda na adolescência começou a trabalhar em nightclubs, deixando que esta experiência profissional se tornasse sua única forma de “treino” na dança. O estilo pessoal de Fosse transformou-se em sua marca registrada: usou sua postura não-convencional como uma posição para sua dança, abandonou os giros para fora, já que tinha maior facilidade com os giros para dentro. Criou sua própria técnica e buscava material para suas coreografias em si mesmo, nas suas possibilidades e no seu convívio em clubes noturnos. Bob Fosse quebrou no Jazz Dance os tabus de que para dançar era preciso determinado físico-padrão, exímia técnica, mostrou que toda pessoa era capaz de dançar, usando suas possibilidades físicas e sua experiência de vida para desenvolver sua própria dança. O impacto das inovações de Fosse. o levou a coreografar diversos musicais e filmes, como “All That Jazz”, “Sweet Charity” e “Cabaré”, que ganhou o prêmio Tony de melhor musical, um Emmy e um Oscar, em 1973
GUS GIORGANO (1922-2008)
Começou a dançar ainda criança, aos cinco anos de idade. Em 1963, criou sua própria cia. de dança, com os parceiros Ronald Colton, Gary Kaplan, Mort Kessler, Rita Rojas e Judith Scott. O foco de sua dança é a preservação da cultura indígena americana por meio da arte do Jazz Dance, fazendo desta fusão uma maneira de conscientizar o público de que esta dança é uma expressão artística da verdadeira vida americana. Este estilo desenvolvido por Giordano chegou a audiências de todo o mundo, mostrando uma dança acessível, que expressa sentimentos, confronta problemas e analisa idéias da atualidade. Até seus 80 anos de idade supervisionou de perto as atividades da Gus Giordano Jazz Dance Company, em Chicago, uma das maiores cias profissionais de jazz do mundo, liderada hoje por sua filha Nan Giordano (vale lembrar que ela já esteve no Brasil, no Congresso Internacional de Jazz Dance, em 2013). Quando você assistir a este vídeo vai reconhecer no seu próprio corpo vários exercícios:
LUIGI (1926-2015)
Luigi iniciava sua carreira quando sofreu um sério acidente de carro, que deixou um lado de seu corpo paralisado e seus olhos com visão dupla. Apesar da negativa quanto à sua recuperação por parte dos médicos, ele manteve-se determinado e voltou à dança. Sua rotina de trabalho para sua recuperação acabou por se transformar na primeira técnica completa para o ensino do Jazz Dance. Em 1951, começou a ensinar em Las Vegas, em 1956 abriu sua primeira escola e passou a coreografar para peças para a Broadway. Luigi, que dentro de sua técnica desenvolve um trabalho de consciência corporal com seus alunos, ressaltando a importância da realização correta e da boa postura, já lecionou e levou sua técnica para toda a América e Europa. Foi professor de Liza Minnelli, Barbara Streisand, Bette Midler, Ann Reinking, Madonna, Patricia McBride, Christopher Walken, Jacques D’Amboise, Alvin Ailey, Michael Bennett, Twyla Tharp, Susan Stroman, entre outros famosos do mundo do cinema e da dança. Hoje quem mantém viva a sua técnica é Francis Roach (que esteve no Brasil em 2017, no Congresso Internacional de Jazz Dance).
Na semana que vem falaremos um pouco de jazz dance no Brasil. Lembre-se de compartilhar, curtir e, claro, se for citar o texto, dê os referidos créditos, a nossa dança agradece!
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