Companhia do município traz ao palco do Theatro Municipal uma nova versão para “A Sagração da Primavera”
Marcela Benvegnu | [email protected]
“A Sagração da Primavera” é uma obra polêmica. Quando o Ballets Russes estreiou a coreografia em maio de 1913, no Théâtre des Champs-Elysées, em Paris, nem o empresário Sergei Diaghilev (1872-1929), nem o jovem Vaslav Nijinsky (1889-1950) – um bailarino que iniciava sua carreira como coreógrafo – imaginavam que seria um escândalo. Na época, vaias e gritos tomaram conta do teatro e Nijinsky foi considerado um coreógrafo antítese à dança clássica por desafiar sua estética. Um pouco mais sorte teve Pina Bausch (1940-2009) com o seu Tanztheater Wuppertal, em 1975, quando levou a história para o palco. Além de Nijinsky e Pina, muitos outros coreógrafos já se aventuraram por ela, como Martha Graham (1894-1991), Maurice Béjart (1927-2007), Olga Roriz, Marie Chouinard, Leónide Massine (1896-1979), entre outros. E agora para comemorar os 50 anos do Balé da Cidade de São Paulo (BCSP), Ismael Ivo, diretor artístico da companhia, faz uma releitura do tema, criando a sua própria versão para esta obra icônica, que estreia no Theatro Municipal de São Paulo, acompanhada da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, com regência de Roberto Minczuk neste final de semana. Este é o primeiro encontro de Minczuk com Ivo, em quase dois anos de gestão.
“A Sagração da Primavera” original traz para a cena a história de um ritual tribal, no qual uma jovem virgem deve ser sacrificada como uma oferenda ao deus da primavera, para que as terras sejam férteis. Composta por Igor Stravinsky (1882-1971), a música do ballet demorou 30 anos para ficar pronta e hoje é considerada uma peça chave do período moderno. “Nijinsky nos apresenta esse ritual pagão, Pina traz o seu olhar e revela um profundo humanismo na sua obra e a minha Sagração trata das questões ambientais, é quase ecológica. Por isso também resolvi tirar o elenco da sede, na Praça das Artes, e levar experimentos para os parques Municipais da cidade onde existe um pouco de verde. Estamos certos que vem a próxima primavera? Como nunca neste século fomos inundados como uma serie de catástrofes naturais”, indaga o coreógrafo.
E por falar em catástrofes naturais, o prólogo do espetáculo, que tem duração de 15 minutos, traz ao espectador uma forte ligação com o tema. A trilha ‘Fire and Frost Pattern’, composta pelo alemão, Andreas Bick traz a ruptura de um icerberg gravado no polo Norte, um vulcão em erupção com movimentos de lava, no Havaí, entre outros. “Abro o prólogo com um ritual de embalsamento, que se fazia nos templos italianos, de Paese, para preservação dos corpos. Eles usavam a resina do mel nos corpos e esse era um ritual de Primavera. Assim começo o espetáculo, com os corpos banhados de mel. E depois os bailarinos vão aparecendo, eles são insetos, cigarras, gafanhotos, se tornam a natureza gritando e pedindo socorro”, revela Ismael Ivo.
Ivo conta que, no palco, os bailarinos executam uma coreografia que remete ao primitivo, mas ao mesmo tempo sensual, embalados pela música intensa, atonal e tribal de Stravinsky. Se, ao fim, algum sacrifício será feito, ele explica que o legado não será a vida que nasce da morte, como na Sagração tradicional, mas a demonstração de uma luta pela sobrevivência. “Por que uma mulher/homem tem de ser sacrificado, se todos temos apenas uma vida?”, questiona. “As pessoas precisam de descobrir, se tocar e encontrar o desejo. Temos um homem escolhido para morrer e ele se questiona porque estar ali, depois uma mulher aceita o sacrifício, mas ela não quer perder a vida. A mensagem real é que ninguém quer morrer”, completa.
Com cenografia de Marcel Kaskeline – parceiro antigo de Ivo –, figurinos de Gabriele Frauendorf e iluminação de Marisa Bentivegna, a obra promete ter uma fotografia marcante. “Temos 650 mil pétalas de rosa caindo durante todo o espetáculo. Ela começa como uma chuva suave, se intensifica e vira uma tempestade, um dilúvio. O que era belo se transforma numa tortura, num delírio incessante e incontrolável. Funciona como uma metáfora e uma forma de alarme ao desequilíbrio das condições ambientais”, afirma o diretor.
Essa não é a primeira versão de Ivo para “A Sagração da Primavera”, e nem o primeiro encontro do Balé da Cidade com a obra. Em 2013, para o projeto Biblioteca do Corpo – realizado em parceria com o Governo do Estado de São Paulo destinado a bailarinos, entre 18 e 27 anos – ele criou “No Sacre”, que usa a música de Igor Stravinsky e também a do compositor alemão Andreas Bick. “Eu começava ali, com os estudantes, uma pesquisa de investigação de corpo, que agora transferi para os corpos incrivelmente hábeis do Balé da Cidade de São Paulo”, fala. O BSSP também dançou uma versão de “A Sagração da Primavera”, em 2013 – ano de comemoração aos 100 anos de criação da obra de Vaslav Nijinsky – para comemorar seus 45 anos, sob direção de Iracity Cardoso. A obra foi criada em 1985 pelo argentino Luis Arrieta e ganhou remontagem em 1993.
Na direção de Ivo, o Balé da Cidade apresenta um lema – Corpo Cidade, que segundo o diretor, “o balé deve funcionar como um documento da sua própria cidade e suas questões. Entre os planos de Ismael para a Companhia ainda em 2018 estão: Ver de Novo, um projeto que tira o Balé da sede para encontrar a cidade e documentá-la nos corpos, intervenções de dança no Theatro Arthur Azevedo e na Biblioteca Mario de Andrade, além de uma performance inspirada no tema “Histórias afro-atlântica” – exposição em cartaz – no Tomie Ohtake. “E para fecharmos o ano voltamos ao Municipal com ‘Um Jeito de Corpo – Balé da Cidade Dança Caetano’, de Morena Nascimento, no Theatro Municipal”, completa o diretor.
BALÉ DA CIDADE DE SÃO PAULO – O Balé da Cidade de São Paulo é um dos Corpos Estáveis do Theatro Municipal de São Paulo. Foi criado oficialmente no dia 7 de fevereiro de 1968 com o nome de Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo. Era uma companhia de dança clássica, dirigida por Johnny Franklin, que trouxe aos palcos coreografias consagradas, como: “Les Sylphides”, “Coppélia”, “Lago dos Cisnes”, “Giselle”, entre outras. O Corpo de Baile Municipal já havia sido criado oficialmente pela Prefeitura do Estado de São Paulo quando o Theatro Municipal era dirigido pelo bailarino Vaslav Veltchek (1897-1968), em meados da década de 1940, mas somente em 1968 tornou-se oficial. Em 1974, ao ser convidado para dirigir a companhia com o objetivo de reestruturá- la, Antonio Carlos Cardoso incorporou ao repertório do BCSP obras contemporâneas, em sua maioria, espetáculos criados especialmente para o grupo. São dessa época e de autoria de Victor Navarro sucessos como “Vivaldi”, “Apocalipsis”, “Corações Futuristas” e “Danças Sacras e Profanas”.
Sete anos depois, de 1982 a 1986, já com o nome de Balé da Cidade de São Paulo a companhia passa por outra grande transformação. Klauss Vianna (1928-1992) assume sua direção criando o grupo Experimental e traz nomes como Lia Robatto, que cria “Bolero”, e José Possi Neto, que dirige “A Dama das Camélias”. Dentre todos os nomes que passaram pelo BCSP, Ivonice Satie (1950-2008) foi quem contribuiu para a internacionalização da companhia. Diretora desde 1993, já tendo sido bailarina desde os tempos do Corpo de Baile, e mais tarde ensaiadora e diretora assistente, Ivonice foi a responsável pela estréia internacional do grupo, quando levou o Balé a participar, pela primeira vez, da Bienal de Dança de Lyon, em 1996. São de sua autoria os balés como “Shogum”, “Paulicéia Desvairada”, “Mozarteando” e “Carnaval dos Animais”.
De 1997 ao início de 1999, a companhia ficou sob direção de José Possi Neto, que manteve as turnês internacionais definidas por Ivonice e incentivou o surgimento de coreógrafos entre os próprios bailarinos do Balé da Cidade. É desse período a grande produção de “O Baile na Roça”. Em 1999, Ivonice reassumiu a direção do BCSP e trouxe a coreógrafa Ana Maria Mondini para remontar umas das coreografias de maior sucesso do grupo: “Forró For All. Em 2001, Monica Mion assume a direção da Companhia, além de solista, atuou durante nove anos como assistente de coreografia e ensaiadora. Sob a direção dela o Balé passa por um período muito significativo com obras de importantes coreógrafos e também da afirmação da Cia 2 – criada por Ivonice Satie – na qual estavam o elenco mais maduro do BCSP no cenário da dança do Brasil.
Em 2010 foi a vez de Lara Pinheiro assumir a Companhia. É da sua gestão uma releitura de “Giselle”, de Luis Fernando Bongioanni, “Cidade Incerta”, de André Mesquita, e “Nos Outros”, da própria diretora. Iracity Cardoso, que também havia sido bailarina da Companhia, assume a direção em 2013, e traz ao palco obras como “Cantata”, do coreógrafo italiano Mauro Bigonzetti, “Uneven”, de Caetano Soto, “Cacti”, de Alexander Ekman, que dialogam com obras antigas do repertório na comemoração de seus 45 anos. Ismael Ivo assume o BCSP em 2017, para quem também já criou obras desde sua chegada, como “Risco”, “Um ícone” e agora “A Sagração da Primavera”.
PARA VER: “A Sagração da Primavera” com o Balé da Cidade de São Paulo e Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo. Sábado, 15/9, 20h; domingo, 16/9, 18h; terça, 18/9, 20h; quarta, 19/9, 20h; sexta, 21/9, 20h; sábado, 22/9, 20h. No Theatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/nº – São Paulo, SP). Ingressos custam entre R$ 12 e R$ 80. Duração: 60 minutos. A classificação indicativa é de 14 anos.
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