Conversamos com professores de ballet e fisioterapeutas para falarem um pouco sobre o passo a passo da escolha da sapatilha de ponta
Por Marcela Benvegnu | [email protected]
O ano era de 1832. Foi quando Filipo Taglioni (1777-1871) coreografou La Sylphide para a Ópera de Paris. (Fique calmo se a versão que você conhece é de 1836 e foi assinada por Auguste Bournoville para o Balé Real da Dinamarca. Está tudo certo). Mas porque falar desse assunto, num texto que é para ser sobre a tão sonhada e famosa sapatilha de ponta? Porque foi lá em 1832, que ela foi usada pela primeira vez num balé de noite inteira. Taglioni fez uma sapatilha “de ponta” para sua filha Marie, dançar La Sylphide. Ele queria que ela flutuasse. Sabemos, sem precisão de datas, que ela foi criada bem antes desse tempo e que, de lá para cá, se modificou demais.
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Foram muitos avanços tecnológicos, muitas marcas e diferentes modelos criados com um único propósito: ajudar a bailarina a melhorar a sua performance. Desta forma escolher a sapatilha de ponta correta é um desafio e tanto. E ele não para por aí. Você sabia que existe um passo a passo para a transição da mesma?!
“O momento mais importante na vida de uma estudante de ballet clássico é, sem dúvida alguma, o momento de calçar a tão sonhada sapatilha de ponta”, acredita a maestra de ballet e diretora do Ballet Olinda Saul em São Luís do Maranhão desde 1985.
“A responsabilidade dos professores é imensa, a começar por controlar a ansiedade da aluna. Acredito que antes da escolha da sapatilha, a primeira coisa a ser trabalhada é a questão psicológica. Para isso existe toda uma preparação com conversas e vídeos das inúmeras consequências que o uso da ponta trás. E por outro lado, sempre é preciso enfatizar que a sapatilha de ponta é o mais importante instrumento de trabalho de toda vida da bailarina clássica e como é incrível o prazer de dançar com elas, quando já existe o domínio da técnica”, acredita.
Segundo Talmai Fernandes, bailarina e fisioterapeuta especializada em dança, é preciso muito cuidado para escolher a sapatilha correta pois cada indivíduo tem suas particularidades físicas e anatômicas. “Forca, equilíbrio, flexibilidade, formato e tamanho de pés são algumas das individualidades que devemos levar em consideração em uma bailarina. E é exatamente por existirem todas essas diferenças físicas que cada uma sentirá mais conforto e precisão com um determinado tipo de sapatilha de ponta. Por exemplo, se uma bailarina que tem os pés largos, fracos e tem mais dificuldade de equilíbrio, usar uma sapatilha estreita, de sola reforçada e com a base pequena, ela terá muito mais dificuldade para realizar os movimentos e poderá sobrecarregar músculos, tendões e outras estruturas e tal fato pode desencadear lesões, inflamações e dores”.
Para Alice Arja, diretora da Cia. de Ballet do RJ, da Escola de Dança Alice Arja, do Centro de Arte e Dança de Campo Grande, a orientação da escolha do primeiro sapato de ponta vai sempre ser individualizada. “Todas as professoras em minha instituição são orientadas para que analisem cada criança, seu formato de pernas e pés, sua resposta de força muscular, sua constituição física, peso do corpo e facilidades de entendimento de cada correção. Após a escolha sempre fazemos um acompanhamento bimestral com nossa supervisão técnica e sob minha direção para que possamos, sempre individualmente ver a troca da sapatilha e a resposta de corpo desta aluna”, completa Alice, que também é Relações Internacionais na América do Sul, do Miami City Ballet.
COMO COMEÇAR E ESCOLHER?
A primeira pergunta é: qual o seu nível de ballet? E nesse momento é preciso falar a verdade. Não vale aquela história de: Ah! Ela faz ballet há 10 anos, começou aos 2 anos e por isso deve ser avançado. Não é o tempo de dança ou a idade de uma bailarina que definem o seu nível técnico, mas sim o seu trabalho individual. José Luiz Bastos Melo, fisioterapeuta especializado em dança e consultor de sapatilhas de ponta da Só Dança tem algumas perguntas chave para ajudar a bailarina, a professora e o vendedor da loja a escolherem a primeira sapatilha.
“São muitos quesitos para serem preenchidos quando falamos da primeira sapatilha. Sempre pergunto, quantas aulas de ponta você faz durante a semana e qual a duração das mesmas? Se me diz que tem 30 minutos de aula de ponta na semana sei que é iniciante e assim gradualmente. Porque ninguém gosta de dizer que está começando. Se ela é iniciante tenho que fugir da sapatilha dura. Ela precisa ser leve e macia para que ela possa fazer os movimentos corretamente”, explica Melo. “É muito importante pensarmos no ajuste e no cuidado.
Se a sua amiga uma a sapatilha ‘x’ isso não quer dizer que essa será a melhor para você, pois o seu pé e sua técnica são diferentes dela. Você precisa comprar o produto certo, para o nível certo. É preciso pensar no box, na palmilha, na dureza, na gáspea, no perímetro, entre tantas outras coisas. E se precisar de algo mais especializado, deve procurar ajuda e suporte da marca que você escolher e assim sucessivamente, quando você vai passa para o nível intermediário e depois para o avançado”.
SAPATILHA AUXILIAR |
Segundo Olinda, o físico da aluna e principalmente a anatomia dos pés deve ser levada em conta na escolha da sapatilha. “Nesse contexto temos que prestar muita atenção ao desenho dos dedos, joanetes, altura e peso da aluna para que possamos finalmente escolhê-la”, diz. É importante ressaltar que antes da sapatilha de ponta, a bailarina pode ir preparando o seu corpo e sua musculatura com a sapatilha auxiliar. “Conheci a sapatilha auxiliar quando trabalhei, como fisioterapeuta, em uma escola de dança. Uma bailarina e professora da escola me contou que quando ela estudou na Europa, era muito comum usarem nas aulas esse tipo de calçado para melhorar a força e o equilíbrio dos pés para quem dançava nas pontas. Fui então testar e entender como seria essa sapatilha e os motivos de ela ser tão “queridinha” em alguns lugares fora do Brasil”, relembra Talmai.
“E o que descobri e confirmei foi que ela é muito próxima, em formato e material, à uma sapatilha de ponta, porem ela tem a caixa (box) bem mais mole e sem estrutura para subir de fato na ponta dela. O objetivo de se usar uma sapatilha auxiliar é acostumar os pés a um novo modelo de calçado de forma gradativa. Assim, ela permite uma melhora do equilíbrio e propriocepção, aumento da força da musculatura que será utilizada para as pontas e tudo isso com um grau de dificuldade menor. Ou seja, ao invés de passarmos de uma sapatilha molinha e flexível direto para uma mais dura e que exige um controle muito grande de todo o corpo, passamos pela auxiliar, que é a intermediária entre as outras duas. Garantimos assim que a progressão do trabalho e do esforço seja gradativa e que a bailarina e seu corpo tenham tempo hábil de desenvolver as habilidades necessárias para alcançar a tão sonhada sapatilha de ponta. De quebra, diminuímos o risco de lesões por sobrecarga provenientes de um aumento quase súbito no trabalho que os pés fazes”, avalia a fisioterapeuta.
PREPARO |
Segundo José Luiz Bastos Melo, antes de qualquer escolha de sapatilha é preciso um trabalho de preparação e este cabe ao professor. “Sabemos que o trabalho nas pontas é algo bastante difícil e exigente tanto do ponto de vista artístico, quanto físico, sendo assim, é imprescindível que a bailarina tenha tido um trabalho adequado para desenvolver bem a região abdominal (incluindo transverso do abdômen), costas quadril, um bom en dehors (rotação para fora), coxas, panturrilhas, tornozelos e pés. Todo corpo tem que ter força suficiente para suportar as articulações, flexibilidade suficiente para alcançar as amplitudes necessárias e propriocepção, equilíbrio, para se manter nas posições com qualidade e segurança”, completa Talmai.
“Corporalmente nossas crianças são preparadas desde o primeiro ano de ballet, ou seja, desde os 7 anos nas escolas que trabalho e dirijo para um trabalho físico adequado. Ele vem em primeiro plano, somado aos trabalhos de barra e centro que durante os próximos dois anos e meio são o foco deste corpo. E na programação do início de trabalho de ponta, elaboramos como um retrocesso, de trabalhos pausados e paulatinamente divididos para fortalecimento e principalmente resposta de todos os grupos musculares. Sempre utilizamos exercícios que sejam respondidos pela musculatura do aluno até o ponto ápice que é estar sobre as pontas dos pés, e nunca pelo comando do próprio sapato. Deixamos claro para nossas estudantes de que, ‘quem sobe nas pontas são seus pés, ele é o comandante e a sapatilha’, completa Alice Arja.
Assim é importante que você saiba que a sua sapatilha de ponta tem que ser apropriada para o seu pé, corpo e musculatura e que ela vai ser modificada ao longo da sua trajetória. E lembre-se de que uma boa sapatilha é de fundamental importância para o resultado do seu trabalho.
VOCÊ CONHECE O CONCEITO PASSO A PASSO DA SÓ DANÇA?
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